sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Dia das Crianças
Todas as vezes que olhar para uma criança, levante seu pensamento em ação de graças à Deus, que jamais abandona seus filhos.
A criança é a esperança de hoje, na realização de amanhã.
É a certeza de que a Terra está sempre a renovar-se, recebendo cada dia novos habitantes que lhe vêm trazer a contribuição de seu trabalho e de sua capacidade, para o progresso do mundo.
F R E V O
O frevo fervia nas avenidas, ruas e pontes do Recife Velho, entre os rios Capibaribe e Beberibe, naquele carnaval de 1945. Milhares de foliões entoavam alto os refrões alegres do Galo da Madrugada – voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelo braço – quando Anna começou a sentir fortes as dores do parto. O menino veio ao mundo justamente quando um grande e colorido estandarte passou sob a janela do casarão, na rua da Praia, onde, no térreo ficava o famoso restaurante Buraco da Otilia, repleto de turistas. O berreiro do recém nascido juntou –se, um pouco,ao alarido das troças, blocos e cordões que passavam, na grande festa.A criança, que recebeu o nome de Ednaldo José, nasceu de parto normal, embora difícil,fazendo a mãe gemer muito sendo amparada pelas mulheres da casa. Começava ali sua vida, sua história, seu caminho no desamparo deste mundo.
Com quase um ano, foi levado pela mãe para São José da Lagoa Seca, nas proximidades de Juazeiro e Petrolina, entre Pernambuco e a Bahia, nas margens do caudaloso Rio São Francisco, numa das suas inúmeras voltas. A longa viagem atravessou a zona da Mata, o Agreste e de Caruaru, penetrou, aos poucos no ressequido cafundó do Sertão.
Velhíssima, Dona Maria das Graças, bisavó paterna e sobrevivente do Arraial de Canudos, tinha de benzer o menino antes de sua outra, mais longa viagem, até o Rio de Janeiro, na região Sudeste, num navio do Loyde Brasileiro, no colo da mãe. Até hoje, afirmam alguns moradores mais antigos, que, um dia depois da saída do menino, a lagoa seca voltou a transbordar de água lentamente. Só muitos anos depois, Ednaldo José voltaria para conhecer sua terra e os parentes de lá. Suas raízes ancestrais espalhadas pela Bahia, Pernambuco e a Paraíba.
A viagem de volta, só foi possível,quando aos 32 anos, apostando um bilhete na Loteria conseguiu ganhar um bom dinheiro. Viajou pela Cia. Aérea Transbrasil, que hoje não existe mais. O bilhete premiado foi sorteado justamente no dia 31 de dezembro, véspera do Ano Novo de 1977. Foi com enorme alegria que comunicou a mãe que lá estava de férias e os parentes sobre sua chegada ao Aeroporto de Guararapes.
Foi uma surpresa para a mãe. Passado os primeiros dias de muita festa e alegria, afinal ali estava o primo formado em curso superior e, relativamente bem, tendo realizado boa parte de seus sonhos de juventude, começou a investigação pois Ednaldo continuava solteiro. Foi sentado a beira mar da vila de Itapessuma, que percebeu o olhar intrigante, sofrido, da mãe, querendo uma resposta para uma pergunta jamais feita. Começava uma Inquisição lenta e dolorida que iria machucar a todos, aos poucos. Percebeu lágrimas no olhar penetrante da mãe. Porque? O rapaz percebeu que sua vida seria totalmente outra depois desse encontro.
A vida, porém teve de continuar. Mágoas e ressentimentos teriam de ser superados, para continuar sua trajetória mais ou menos normal, pois também Ednaldo teria, como tantos outros na mesma situação,de vencer o preconceito e a intolerância da sociedade. Mesmo em cidades grandes como Rio e SP, onde o anonimato poderia encobrir um sentimento escondido. Contudo Ednaldo conseguiu ser vitorioso e não dever nada a ninguém, crescendo em ética e caráter, mantendo um relacionamento terno com a mãe, parentes e amigos. Apenas o pai, como todo nordestino agia com crueldade, muitas vezes, ignorando o próprio filho. Sofria calado, percebia-se.
Ednaldo sempre carregou em sua mente uma outra pergunta sem resposta: por que aquela família não conseguia se conciliar entre si? Vira e mexe brigas aconteciam. Os parentes não se davam e à medida que crescia, apareciam novos con flitos. Esta situação perdura até hoje. Alguns familiares chegaram até a cogitar que essa malquerença só poderia ser fruto de alguma maldição!Tirando alguns momentos de paz, parece que o rancor persistia de forma infinita e não havia quem, religioso ou não, pudesse apaziguar aquela família extensa. Assim se formou uma culpa enorme, de ambos os lados, que todos carregam até hoje, como um fardo pesado. Culpa que atravessa gerações! De forma inexplicável.
Isso deixava Ednaldo com o coração ferido, embora tentando disfarçar, com todas as forças, esta dor. Em momentos de grande revolta gritava – MAS EU NÃO ESTOU ESCREVENDO ESSA HISTÓRIA SOZINHO – Pois era na mais completa solidão que vivia, no fundo, até nos seus melhores momentos, como aquele em que entregou o diploma de jornalista, nas mãos da mãe, pois o pai já havia falecido.
O irmão mais velho desandou pelo mundo e pouquíssimas vezes voltou. Nem mesmo com a notícia da morte da mãe. A única irmã vivia na capital, com suas duas filhas, pois o pai delas também não se conciliava com ninguém, preferindo viver isoladamente. O irmão mais novo, durante algum tempo viveu em família. Depois...Assim acontecia com várias tios, tias, primos e primas que tinham lá sua vida mais ou menos consolados com essa suposta maldição. Afeto e ternura eram coisas raras naquela família.
Seria Dona Maria das Graças a guardiã do segredo desta suposta maldição familiar?, perguntou um dia, Ednaldo, numa de suas profundas crises emocionais. Se fosse culpado, qual seria sua parte nessa história que até hoje, volta e meia, é lembrada? Perguntas, em meio a lembranças, que continuam sem respostas. Apenas a uma, de caráter pessoal, responderia, hoje, sem medo: Sim, é tudo verdade!
Uma das poucas alegrias de Ednaldo, em sua vida de dúvidas, era ver a prima Betânia, entrar na varanda e despachar, como boa pernambucana, as crianças fazendo travessuras. – SAIAM JÁ DAQUI, NÃO QUERO FREVO NA VARANDA!
Em seguida, trancava-se no quarto – escritório e começava, a escrever um pouco mais um romance, quase autobiográfico de sua solidão. A meditação, uma vez por semana, era uma tábua de salvação para poder suportar a vida de um quase exilado, excluído que se achava do convívio familiar e social. Sempre...
Contudo diante desta dura lição, a moral de sua história é perceber hoje que a felicidade não depende necessariamente do que os outros vão pensar e que ela está dentro de cada um de nós.
E assim ele segue na sua eterna procura, escrevendo sozinho a sua história.
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Primavera
Reflexão:
Os Poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira.
Che Guevara
Cecília Meireles
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.
Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366
Os Poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira.
Che Guevara
Cecília Meireles
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.
Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366
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