domingo, 31 de outubro de 2010

O FIM DO MUNDO (Recordações à beira de um vulcão) Conto terapia
“Hoje num tá com jeito que o mundo vai acabar?” A pergunta de Margarida soou esquisito naquela manhã sem sol, assim do nada, com os olhos arregalados, sentada ao lado de Gilberto que ficou meio apalermado. Crianças, aguardavam naquele mês de fevereiro, o reinício das aulas na pequena escola do Sindicato Operário, sentados na guia da calçada daquela rua de paralelepípedos recém nivelada pelos calceteiros da Prefeitura. Entretanto não havia nada de anormal no ar e distraído ele nem teve tempo de responder, meio que perdido em seus pensamentos, mexendo com a ponta dos dedos num pequeno monte de areia.
O fim do mundo era algo que nem poderia passar pela mente ou imaginação de duas crianças. Principalmente quando a chegada do carnaval estava bem próxima e os blocos e cordões encheriam as ruas com marchinhas e fantasias e muita alegria. As aulas continuariam a ser dadas pela dona Yolanda, negra, muito carinhosa com os pequenos alunos e dedicada ao magistério como num sacerdócio. O sol voltou a brilhar aos poucos desfazendo a névoa e o dia continuou. Gilberto só voltou a pensar na estranha pergunta de Margarida de noite, quando a mãe o obrigou a ir para a cama, apagando de sopetão a luz do pequeno quarto.
Ele achava Margarida meio doida, mas era uma de suas melhores amigas naquela infância quase que perdida na pobreza da cidade onde todos eram solidários uns com os outros. Os pais trabalhavam no comércio ou nas pequenas fábricas de tecidos. Só uma grande fábrica de fogos de artifício se destacava. Havia a zona rural, mas se não fosse o esforço coletivo da pequena colônia japonesa, seria totalmente improdutiva. Alguns fazendeiros criavam vacas e delas ordenhavam o leite que ia para a única cooperativa do município. Na escuridão do quarto pensava como “que o mundo poderia acabar se tudo estava em ordem.” Começou a procurar indícios do fim do mundo em sua imaginação. Lembrou-se do filme “Guerra dos Mundos”, exibido recentemente no único cinema da cidade e de como ficou assustado com aquela terrível invasão marciana, matando tanta gente e destruindo cidades inteiras.




Como o mundo poderia acabar se todas as manhãs a sua mãe, antes de sair para o trabalho, deixava o café com leite quentinho, o pão com manteiga sobre a mesa e o acordava, com extrema ternura para não perder a hora da escola. “Levanta, filho, está na hora, deixe de preguiça”. O pai levantava mais cedo e logo saía. Se um dia a mãe morresse aí sim, seria o fim do mundo, pensou. Gilberto amava a mãe até mais que o pai que ele achava meio rude no trato com ele, com a mãe e sua única irmã, a Valéria. Era um enigma para ele, ver o pai sempre muito sério ou era apenas impressão? A mãe, ao contrário, estava sempre alegre, cantando enquanto arrumava a casa, deixando-a bem limpinha, apesar se ser uma casa simples, como todas as outras das redondezas.
Como o mundo poderia acabar se quando chegava da escola a comida estava prontinha e quentinha, mesmo que fosse apenas arroz com feijão e um pouco de carne com legumes? E de noite, a mãe levava um copo de leite morno e algumas bolachas prá ele na cama! Margarida não tinha razão, era meio doida mesmo. Mas tinha pena dela, pois morava numa pequena vila com a mãe. O pai tinha morrido numa explosão na fábrica de fogos. O acidente deixou mais gente queimada e mutilada.Para muitos foi uma espécie de fim do mundo.Parte da fábrica e metade de um quarteirão foi para os ares numa grande bola de fogo.



Dona Helena, mãe de Gilberto, é quem levava algum alimento para sua mãe, nem que fosse um pouco de açúcar, um pão. Na convivência com Margarida, ele tinha reparado que ela tinha os olhos um pouco triste. Com certeza por causa da morte trágica do pai. Era como se ela vivesse o fim do mundo todos os dias e sua alegria era diferente das outras meninas e meninos de sua idade. Por isso, talvez, Gilberto tivesse um especial carinho por ela.
Antes de pegar no sono Gilberto pensou – Ora o fim do mundo não existe É só na imaginação da gente! Mas, no meio da noite, veio o pesadelo. Como um sonâmbulo levantou-se e viu-se na casa sozinho, às escuras. Mãe? Pai? Valéria? Cadê vocês? Nada. Chegou até o corredor que parecia longo demais. A cozinha, apenas o gato em cima de um armário com enormes olhos em brasa uma secura na garganta, um suor no rosto, um calafrio na espinha. Um vulto foi crescendo a sua frente. DEUS OU O DIABO? Assustado, correu. Mas parecia que tinha chumbo nas pernas. Não conseguia chegar até a porta da rua. Trancada, ela parecia enorme e intransponível. Voltou pelo corredor escuro e ouviu um gemido da mãe –“Ai, Ai, está me machucando” Gilberto gritava “Pai, pai, não faça isso, não, não...” Em seu delírio, ouvia a voz do vulto em seu ouvido- “Você aí brincando, alegre é seu pai lá todo queimado, a CULPA foi sua,viu, quem mandou abrir a torneira do bujão de gás, por isso a casa pegou fogo!”
Sacudido pela mãe, Gilberto foi voltando a si. “Que foi filho? Estou aqui, calma, calma, estava sonhando”. Com lágrimas nos olhos, agarrou-se à mãe. Depois de tomar um pouco de água com açúcar providenciado pela mãe, foi se acalmando. Trocou o pijama pois tinha urinado nele. Antes de pegar no sono de novo, Gilberto percebeu que aquele escuro, aquele breu impenetrável a qualquer claridade o perseguiria para o resto da vida como um fantasma sofredor. O que para ele era uma luta feroz na escuridão era apenas um ato de amor entre seus pais.
Mas só com muita dor e aflição e muitos e muitos anos mais tarde, com a ajuda de um terapeuta psicanalista ao reconstituir toda aquela cena, finalmente, pode distinguir claramente o que se passava em sua mente, naquela longa noite, em que parecia que o mundo estava se acabando. Nas sessões o terapeuta, espiritualista conhecido na cidade, tocou fundo na ferida. “Por favor, não me machuque, meu pai machucava minha mãe”, um grito forte, como se uma faca de corte afiado tivesse dilacerado a sua alma. Ou um ferro em brasa, numa tortura terrível. Uma posse violenta.
Um grito, seguido de um grande alívio e o abraço amigo do terapeuta. “Calma! Calma! Meu filho. Está tudo bem agora.” E livre do pesadelo, soluçando, Gilberto sentiu-se curado daquilo que sempre o limitava inexplicavelmente no seu desejo de amar plenamente. Sentiu-se como que várias portas e janelas estivessem abrindo à sua frente para um horizonte real e mágico. Pode viver sadiamente e com enorme alegria o reencontro definitivo consigo mesmo. A sua personalidade não estava mais dividida. Distinguia o BEM e o MAL.
Um dia, por acaso, encontrou Margarida dentro de um ônibus urbano. “Olá, lembra-se de mim?” Jovem ainda. Apenas com algumas rugas verdadeiras a delinear um belo rosto de mulher experiente na vida. Disse que tinha ficado viúva e...




LITERATURA E HUMANIDADE
GABRIEL GARCIA MARQUES, (Cem Anos de Solidão) RAUL ROA BASTOS (Hijo de Hombre), MÁRIO VARGAS LHOSA (A Guerra do fim do mundo), HILDA HILST, GUIMARÃES ROSA,CORTÁZAR,GRACILIANO RAMOS (Vidas Secas) BORGES,NÉLIDA PINÕN ( A República dos Sonhos),CLARICE LISPECTOR,(Os desastres de Sofia), MÁRIO QUINTANA,ADÉLIA PRADO e tantos e tantos outros a nos ensinar lições de HUMANIDADE.
PASSADO NÃO DÁ FUTURO
Não fique remoendo as coisas do passado. Ficar preso ao passado não dá futuro. Não se deixe prender por mágoas e ressentimentos. Não se atormente pelo que passou, mesmo que reconheça seu erro. Levante-se e siga em frente, o mais rapidamente que puder. Faça as pazes com seus adversários, envie pensamentos de simpatia e amor e todas as mágoas se afastarão e você viverá feliz e risonho.

O MISTÉRIO DA RUA DO MEIO (VIDAS AMARGAS)
Nunca iam ao cinema. Não sei como podiam levar a vida daquele jeito, trancadas dentro de casa. Quando muito saíam na janela para ver o movimento dos poucos transeuntes na rua onde moravam. A Rua do Meio. Solteironas, sentiam um pouco de inveja dos jovens namorados Odalisca e Odonty que não perdiam uma sessão sequer do Cine Teatro Bijou. Ficavam até um pouco enciumadas vendo aquele belo par enlaçado, brincalhão, passando pela janela, dando “tchauzinho” e jogando beijinhos prá elas. Viravam o nariz e até ameaçavam fechar a janela de raiva.
Os pais já tinham falecido. Ficaram sós naquela casa enorme cheia de lembranças. Os dois irmãos, formados em Engenharia no Mackenzie, turma de 1936, já estavam bem casados e morando em São Paulo.Vinham pouco à cidade. Elas, por sua vez, tinham horror da agitação da capital onde foram poucas vezes. E também não gostavam muito do jeito “moderno” das duas cunhadas.
Mas, ai que vontade de ir ao cinema! Logo agora que estava passando aquela fita famosa “E o vento Levou...”, com Clark Gable e a esplendorosa Vivien Leigh. Ficariam em cartaz vários dias. A vontade, contudo, foi passando, passando e só saíam para irem às missas e se confessarem, com freqüência, pois a igreja era ali pertinho.



Se havia um mistério naquela vidinha que Imaculada e Doroti levavam estava trancado a sete chaves. Mas sussurros existiam. E gritos sufocados. Histórias envolvendo o sobrinho de um ex-prefeito da cidade e um caminhoneiro do Sul. Naturalmente segredos que a família tentava esconder. Era o que falavam a boca pequena na pequena cidade que preservava sua mentalidade obtusa, sua enorme ignorância que cercava de preconceito tudo e a todos.
Imaculada amou um adolescente ardentemente e dos encontros fortuitos nasceu um menino que foi cruelmente renegado pelo avô. Numa madrugada fria pegou o recém nascido e às escondidas pediu e pagou uma mulher surgida das brenhas da periferia para levar o rebento e deixá-lo num vagão do trem que seguia para o Rio de Janeiro. Imaculada nunca mais viu seu filhinho. A família encobriu o resto. E ela foi ficando amargurada vendo a vida passar pela janela. No dia em que morreu, 20 anos mais tarde, estava passando no cinema local o filme “Suplício de Uma Saudade”, com William Holden e Jennifer Jones. Um “mar de lágrimas”, cuja história envolvia uma eurasiana e um jornalista americano que acabou morto na guerra da Coréia, em 1953.



O que não ficaram sabendo é que aquele bebê abandonado foi achado na Estação Central Pedro II e entregue na “Roda Dos Enjeitados” do Convento das Carmelitas, na rua do Lavradio. Depois foi adotado pela mãe de uma famosa atriz do Rio que protagonizou nos anos 60 e 70 várias novelas na Rede Globo. O menino cresceu forte e sadio entre familiares e atores da “Venus Platinada” (TV Globo) e tornou-se um de seus mais conhecidos e competentes diretores. Nunca conheceu sua história. Mas viveu muito feliz.
Já Doroti tinha sido seduzida e abandonada por um caminhoneiro de Santa Fé do Sul com promessa de casamento e tudo mais. Nunca mais apareceu. Apaixonada Doroti escondeu tudo a vida inteira. Chorava escondida no quarto o seu grande amor, amassando no peito um pequeno retrato que ele deixara como recordação de eterno amor. Gregório era seu nome. Com certeza foi convocado quando o Brasil entrou na 2ª. Guerra e morreu defendo a Pátria em Monte Castelo na Itália.Uma das tias percebeu algo de errado. “Essa menina está ficando meio doida”. Mas ficou por isso mesmo.
Por anos a fio, por volta das seis horas da tarde, quando a Rádio local anunciava “A Hora da Ave Maria”, com voz melosa e arrastada, Doroti se arrumava se perfumava e ia para a janela. “Quem sabe Gregório aparece hoje...”, pensava. Mas isto nunca aconteceu. História que não teve um final feliz. Ficou sozinha na casa. Se recebia algum parente ou amigo da família o fazia apenas por uma pequena fresta da porta.
De madrugada, no quarto ouvia Sonatas e dançava pela casa toda a meia luz. Por causa da música e dos ruídos noturnos, os moradores diziam que a casa tinha ficado mal assombrada. Doroti, que costumava ver filmes antigos pela TV gostava muito do filme “Vidas Amargas” com o rebelde James Dean. Foi encontrada morta pelos vizinhos 30 anos mais tarde. Do lado da poltrona, caído, foi encontrado um copo com restos de vinho.


Outras Ideias - Dulce Critelli: Fim do mundo

Fim do Mundo segundo, Dulce Critelli...
"...Quando penso no fim do mundo, lembro-me mesmo é de um mundo que a memória me diz estar perdido para sempre. E, então, sinto saudade desse tempo que pude conhecer e que não foi nenhum furacão que varreu..."

Trecho da Folha de S. Paulo(caderno folha Equilíbrio)






EDSON ARANTES DO NASCIMENTO – PELÉ – 70 ANOS- PARABÉNS



COMEÇA A ERA DILMA
Eleita 1° Mulher Presidente do país.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

NECESSIDADES ESPECIAIS



No último Profissão Repórter, na TV Vanguarda, (Rede Globo) Caco Barcellos e sua jovem equipe desmistificou um pouco mais a situação dos portadores de necessidades especiais. Sim, todos eles tentam levar uma vida normal. Mas isso depende também da motivação da própria sociedade e das instituições em respeitá-los verdadeiramente. Os exemplos mostrados, de norte a sul do Brasil,evidenciam os esforços que este segmento faz para garantir qualidade de vida. Dar condições para que todos eles possam levar uma vida digna de cidadãos é dever de todos. Foi uma reportagem muita séria pelo seu envolvente humanismo.


MACBETH
“A vida é um conto contado por um idiota, cheio de som e de fúria, significando nada”. O que adianta ganhar o mundo se você perdeu sua alma? Quando você não souber mais onde parar em sua ambição, lembre de Macbeth. Quando você sentir que a vida é um ‘conto idiota’ lembre de Macbeth” Luiz Felipe Pondé, “O casal Macbeth”, na Folha Ilustrada, de 27 de setembro.

SUPREMA FELICIDADE

Um filme “à la Amarcord” – “Suprema Felicidade”, marca a volta de Arnaldo Jabor,69 anos, ao cinema, depois de 20 anos de ausência. Vai deixar de lado o ácido crítico de governos e do país, voltando ao velho e bom romantismo. “Sou um romântico inveterado, fiz o filme pensando apenas no espectador”, revelou em entrevista. No Rio dos anos 1940 o menino Paulo, dos 8 aos 18 anos, vê a cidade e as vidas adultas correrem por seus olhos de maneira cômica, dramática, escrachada. Nada mais Felliniano! O filme chega às telas em 29 de Outubro. Vou correndo ver, assim que puder.


SERRA OU DILMA?



Todos às urnas novamente no segundo turno, dia 31 de outubro. Dia 17 ficaremos sabendo para onde vão os votos dados à Marina. Quem vencer já sabe que vai encontrar muito trabalho pela frente para exterminar para sempre o subdesenvolvimento do país. Os desafios prioritários de sempre: saúde e educação, depois, saneamento básico, transporte, economia e segurança contra a violência urbana. Eleitores, façam valer seus votos! Eleitos, respeitem mais uma vez a confiança depositada em vocês.
REFLEXÃO
Não se deixe abater pela tristeza. Todas as dores terminam. Aguarde que o Tempo, com suas mãos cheias de bálsamo, traga o alívio .A ação do Tempo é infalível e nos guia suavemente pelo caminho certo, aliviando nossas dores, assim como a brisa leve abranda o calor do verão. Mais depressa do que supõe, você terá a resposta, na consolação de que necessita.
“...COM AMOR NÓS APRENDEMOS QUE A VIDA É AGORA! PORTANTO, APROVEITEMOS O SABOR DE CADA HORA...”



ACALANTO


Em São Paulo existe uma Igreja cujo nome é bem sugestivo. Trata-se da Igreja Acalanto. O responsável pela fundação dessa igreja que acolhe a todos sem discriminação é o pastor Victor Orellana, que vem de uma família de tradicionais religiosos metodistas. Aos 25 anos ele se afirmou como homossexual e criou um lugar ideal para continuar praticando sua espiritualidade. Declara ele: “Estar sem religião era como se faltasse um pedaço de mim, eu continuava exercendo minha afetividade, mas precisava do contato com Deus, numa igreja onde fosse respeitado, onde era aceito e me sentisse bem, sem ansiedade emocional e sem nenhum sentimento de culpa".
Para outro pastor, Nehemias Marien, da Igreja Presbiteriana Betesda as igrejas falharam em seu papel de minimizar o sofrimento dos homossexuais." Por isso nessa igreja o meu propósito é dar respostas adequadas a fim de tornar essas pessoas felizes. Aqui não enxergamos diferenças entre pessoas, todas são consideradas seres humanos iguais em busca de uma felicidade que só a espiritualidade pode oferecer", conclui o pastor.
O LIVRO DE RUTH
Enquanto a mãe conversava com dona Albertina que tinha ido à Estação receber dona Chiquinha, a pequena Ruth ia observando tudo. Andou pelo corredor da casa antiga, olhou as salas, os quartos, a cozinha e chegou até o pequeno quintal. Depois, no sentido inverso, olhou a rua, através da grade do portão. A “Rua do Meio”. Um pouco temerosa ainda abriu o trinco e sentou-se na guia da calçada. Rua de terra ainda. Que a rua começava na praça já sabia. Mas, curiosa, onde iria sair do outro lado? Só dias depois ficaria sabendo. Ia se familiarizando aos poucos com tudo e todos. Os meninos, as meninas, dona Bidita, seu Arlindo e outros.
Demorou um pouco para desatar a saudade prensada na alma. A amiguinha dizendo adeus, adeus, na plataforma da cidade mineira de onde provinha, as fagulhas da Maria Fumaça, noite adentro. Oh! Minas Gerais quem não te conhece... Como pode um peixe vivo viver fora... Quantas vezes cantara no coral infantil da Escola "Dr. Pacífico Vieira." Oh! Minas nunca mais, nunca... As lágrimas foram secando aos poucos no rosto. Um soluçar no peito, uma tristeza que só começara a sentir ali na calçada daquela terra estranha. São Paulo! São Paulo! Jacarehy... Como conversavam aquelas duas comadres, credo!

Dona Albertina e as outras vizinhas ficavam horas vendo a mãe falar da sua conversão, que foi um verdadeiro escândalo naquela pequena cidade mineira. Afinal, dona Chiquinha saía na frente da procissão do Santíssimo naquelas semanas santas que cobria tudo de roxo e preto.

Depois das novenas, rezas e cantorias, aquele silêncio "De Profundis", do Nosso Senhor morto. Mea Culpa, Mea culpa, Minha Máxima Culpa. Acompanhada de dona Ana, negra e “meio metida em política”, que tinha um único filho, Jamelão, que gostava de cantar e seria, anos mais tarde, compositor de sambas nas noites cariocas do Brasil, tornando-se muito popular e famoso.

Foram dois missionários evangélicos norte americanos que apareceram na cidade que tanto fizeram, tanto fizeram, leram tantos trechos intermináveis da Bíblia, comparando aqui e ali com o ferrenho catolicismo apostólico romano da mãe, que acabaram derrubando as muralhas de Jericó, convencendo dona Chiquinha a virar “irmã” daquele pequeno grupo de convertidos. Até nisso dona Ana seguiu os passos da amiga, fiel que era na amizade tornando-se também uma nova e fiel evangelizadora.
Dona Chiquinha continuava preocupada com o marido ferroviário que era amante do jogo e da farra com o mulherio. Uma vergonha! Por isso controlava a vida dos filhos tentando encobrir tudo. Hábito que já vinha lá das Minas Gerais. E que endureceu ainda mais porque as filhas já estavam ficando “mocinhas” e os filhos também. Tanto que os namoricos já começavam no portão, até o ríspido “já prá dentro” da mãe.
Ruth, que da antiga escola guardava boas lembranças, estava ansiosa em conhecer a nova. Instalada num sobrado antigo datado de l868, o Grupão. O uniforme não mudara, azul marinho. Bom para a mãe que estava economizando bastante para reformar um pouco a nova casa. Tempos difíceis de adaptação. O Mercado e as compras era o único passeio da mãe, depois da pequena Igreja Evangélica. Mas não faltava nada na mesa comprida onde todos ainda se reuniam para comer. Anos mais tarde dona Chiquinha virou Adventista, por obra de dona Aninha, tão severa quanto a mãe. Mas também muito educada e gentil com todos e, em especial, com as crianças.

Com o coração na boca seguiu para o seu primeiro dia de aula, calçando uma alpercatas bem simples. O cabelo, alourado, com duas tranças e uma fitinha azul acompanhando o uniforme. A mãe, cheia de conselhos e advertências, a levou até metade do caminho que Ruth já conhecera dias atrás. Juntou-se logo a um pequeno grupo de outros alunos, curiosos e animados. “Sou mineira, uai!” Cadernos embaixo do braço, na fila, a sineta blém, blém, blém impôs o silêncio.Cantaram o Hino Nacional Brasileiro, com toda pompa e circunstância cívica. A sua turma, da 4ª. Série primária, foi a primeira a entrar, subindo aquele escadão que rangia, até o primeiro andar. A sala de aula onde Ruth ficaria tinha quatro grandes janelas, de onde se podia avistar um rio muito bonito. Um pouco absorta, apesar do alarido dos colegas, ela olhou o céu tão azul daquela manhã. Celeste, sua amiga pelo resto da vida, sentava ao seu lado. Começava a se sentir mais segura.
Minutos depois entrou a temível professora dona Rosalphina. Ruth olhou a nova professora. Todos muito quietos. A chamada minuciosa de A a Z. “Ruth Ribeiro de Oliveira”. “Presente, professora”. Dona Rosalphina tirou os óculos e a encarou. “Ah! Então você é a nova aluna... que veio de Minas... Seja bem vinda, minha filha...” E sorriu para Ruth. Que retribuiu a cortesia. “Obrigado, professora”, respondeu. O gêlo fora quebrado. Na primeira redação, cujo tema foi “Saudade”, Ruth lavou sua pequena alma. A professora destacou a sensibilidade da nova aluna, lendo em voz alta para a classe toda. Ruth ficou meio encabulada.
Começava ali uma nova vida, uma nova história. O livro aberto de Ruth.
DONA TECLA, OS CORONÉIS E OS NAZISTAS

Nonagenária, mas ainda lúcida, Dona Anita contava esta história tirada do seu baú de recordações. Uma história que bem podia ser de Cordel.

Viúva há mais de trinta anos, vivia só, mantendo a pequena casa na mais perfeita ordem no Cassununga, bairro um pouco afastado, perto da curva da via férrea que cortava a cidade. Independente, agia ríspida e perdia a paciência, com que ainda ousasse querer fazer as coisas por ela. Na parede, é claro, velhos retratos da família, costume de longa data. Um deles, o seu próprio, no auge da beleza, “em Paris...”, ironizava quando lhe perguntavam demais. Era a sua ligação com o passado. Nunca fora rica, mas orgulhava-se de ter vivido bem a vida. Conheceu, sim, Buenos Aires, nos tempos de Gardel, levada por sua rica madrinha carioca. Era uma adolescente, ensaiou alguns passos de tango com Manuel, o coração desabrochando ainda. Foi só.

Pernambuco! Nunca esquecia a terra de seu marido, o grande amor de sua vida. Jovem ainda embarcara, sozinha, num navio do Loyde Brasileiro, no Rio de Janeiro. Militar, perdera contato com ele, logo depois de casada. Ele adoecera dos pulmões após ingerir água de uma cacimba perto da base aérea de Recife. O ano: l940. Na altura de Abrolhos o navio foi torpedeado por um submarino alemão (?). Apesar do desespero de todos, mesmo com o casco e as máquinas avariados, o navio conseguiu atracar em Ilhéus, na Bahia. Todos foram transferidos para outro barco. Desta vez, da Cia. Mala Real Inglesa e assim chegaram ao Recife sãos e salvos.

No porto ninguém da família do marido a esperava. Vendo o nervosismo daquela moça muito clara, com uma única mala na mão, aproximou-se uma mulher que se apresentou como Dona Tecla. “O que está se passando, minha filha.” perguntou. Anita, perdida, explicou que não conhecia a cidade e que a carta enviada comunicando a sua viagem talvez não tivesse chegado e que o marido estava internado no Hospital da Aeronáutica. “Eu te levo até lá, pode deixar, vem”, disse Dona Tecla. Depois de vê–lo, chorar muito, abraçada a ele e certificar-se de que já estava um pouco melhor, Anita mostrou o endereço e a mulher a levou até a casa, por coincidência, perto da sua, em Paulista (PE). Foi aí que ela conheceu a mãe, os irmãos, as irmãs e outros parentes do marido. Nasceu também ali uma nova amizade, a de Dona Tecla.
Terra de costumes estranhos, porém, foi se acostumando. Uma semana depois procurou D. Tecla numa casa próxima, de onde vinha um som muito alto de uma vitrola. E umas moças na janela. “Tão procurando pela senhora, dona Tecla!”, disse uma delas. E lá veio a mulher. “Não, Anita, aqui não, vamos até a pracinha que eu explico tudo.”. Sentaram num banco e foi uma longa história... “Não importo não Dona Tecla. Cada um tem a vida que tem...” De braço dado com ela, Anita, por fim, conheceu os mais belos lugares de Recife, Olinda, Boa Viagem... As irmãs do marido ficaram horrorizadas quando souberam. Até ameaçaram expulsá-la e contar tudo ao irmão doente no Hospital. Uma fofoca atrás da outra.

Na janela da casa da mãe do marido, Anita ficava, várias horas da noite, aquele calor insuportável, vendo a função da casa de Dona Tecla, recebendo os coronéis com toda amabilidade e esperteza do ramo. Uma fila de carros. Bordel e cassino ao mesmo tempo. Por dentro um luxo bem próximo da luxúria. Era respeitada por todos, apesar dos olhares de algumas mulheres na rua, vendo nela uma poderosa rival. Moderna, quando colocava seu tayer branco, o seu óculos escuros e um turbante à la Ingrid Bergmann, no filme Casablanca, arrebatava ainda mais os corações. Até dos jovens filhos daqueles usineiros riquíssimos. Mas bateu forte a sombrinha nas costas de um deles que queria saber quem era aquela novidade branca. “Ora, ponha-se no seu lugar, fedelho, esta aqui não é pro seu bico não, é casada e é minha melhor amiga, respeito, viu!”. E despachou o jovem, que saiu com o rabo entre as pernas. “Moleque, deixa estar que eu converso com o pai dele de noite”!
Romantismo no ar, viu Casablanca várias vezes com Anita no melhor cinema da capital, chorando muito com a história e a música. Amava de paixão Humpfrey Bogart, o galã do filme.

Devorava pipoca também. “Será que um dia ele vem ao Recife?”, sonhava. Foi tomando um refresco de graviola, numa tarde de sábado, que Tecla revelou a ela o seu segredo maior. “Sabe, Anita, não vou ficar muito tempo nesta vida não. O que ganhei dos coronéis já dá prá me manter e a educação da minha filha com um deles, aquele que eu mais amei e me amou, já está garantida.

Ela só não pode saber dessa minha vida! Está lá com as freiras carmelitas, em Igarassú (PE). A mocidade passa logo e esta guerra na Europa vai mudar tudo, você vai ver!”
Um dia, as duas estavam caminhando nas proximidades de Itamaracá, na praia. Tecla viu emergir um submarino. Deu até prá ver a suástica alemã. Ficou muito surpresa, mas disse rindo, às gargalhadas, “Não te falei, minha filha, daqui a pouco estarão todos lá no meu cabaré, enchendo a cara de cerveja e cantando, bêbados.” Dito e feito, sabe-se lá como, vários oficiais,de olhos azuis, na noite mais histórica da casa de D. Tecla, lamberam os beiços com as muquecas, os guisados e caldeiradas de carneiro, carne seca com farinha de mandioca, as tapiocas, sarapatéis, chambaril, mungunzá e outros pratos da culinária nordestina, regados com cachacinha de Garanhuns, com cajus doces, maracujás, umbus cajás, siriguelas e muitos doces jamais vistos por aqueles nórdicos e muitas cerveja é claro. Dançaram Jazz e frevo e dormiram “com as mais bonitas morenas”, de Pernambuco.

Para os coronéis foi um congraçamento. Dona Tecla até permitiu que a bandeira de Hitler ficasse pendurada até de madrugada na fachada.


Não gostou muito mas... estavam pagando muito bem pela noitada tropical .Um grande escândalo, um carnaval, uma farra quase orgia meio que abafado pelas autoridades. “Vistas grossas” foi dado ao ocorrido. “Ora! Uma vez na vida não faz mal!” Corria o ano de 1941. Um ditador estava no poder: Getúlio Vargas. Que, no ano seguinte, imaginem, declarou guerra “às potências do Eixo: Alemanha, Itália e Japão,”, em seu famoso discurso radiofônico.
Terminada a guerra, em 1945, Anita, com o marido curado voltou ao Rio. Nunca mais ouviu falar de dona Tecla. Mas sempre lembrou seu nome e sua amizade num dos momentos, ao mesmo tempo triste e feliz, de sua vida. Amizade sincera mesmo que à beira do enorme precipício da hipocrisia da época. Em 1946, um novo presidente, Eurico Gaspar Dutra, redemocratizou politicamente o Brasil, proibiu o jogo, fechou os Cassinos e muitos cabarés e cafetinas perderam sua tradicional clientela, na nova ordem moralizadora do país. Depois, Anita passou a viver o resto de sua vida naquela cidadezinha, onde educou os filhos, trabalhou como funcionária dos Correios e se tornou uma fervorosa evangélica.