sexta-feira, 23 de março de 2012
UM CONTO DE AMOR NA “INGLESA”
Diziam que os túneis eram mal assombrados. Fantasmas de antigos ferroviários mortos em acidentes durante a construção da Ferrovia Santos – Jundiaí, também conhecida como “A Inglesa”, costumavam aparecer em determinados dias, assustando as pessoas que moravam na Estação de Paranapiacaba, no alto da serra, em Cubatão, a caminho do mar.
Mas era neles que Mary e Jefferson, crianças ainda, costumavam se encontrar, depois das brincadeiras: jogo de bola, empinar pipas ou ainda balançando nas árvores da Mata Atlântica exuberante. Nas cachoeiras do trecho tomavam um banho refrescante e quase ao anoitecer pegavam “carona”, para voltar para casa, em algum trem subindo para São Paulo, com passageiros (muitos imigrantes japoneses, italianos,espanhóis, sírios libaneses, etc). Na descida, gostavam de encurtar o passeio (sempre uma aventura cotidiana depois da escola),subindo nos trens de carga, carregados com sacas de café para embarque no porto.
Mary era filha de um maquinista inglês casado com uma caiçara de Bertioga e Jefferson, filho de um inglês, chefe da Estação e uma jovem de Santa Bárbara D’Oeste, cujos avós eram norte – americanos (ianques),descontentes com a derrota dos sulistas,na Guerra de Secessão e que tinham entrado no Brasil pelo litoral. O forte encantamento das praias não impediu que eles subissem para São Paulo, a capital em grande expansão. Parentes de Mary e Jefferson até hoje moram no bairro de Santo Amaro.
A rígida educação de Jefferson não impediu que, já no começo da adolescência, namorasse Mary, cuja mãe por ser nativa, não era vista com “bons olhos”. Era o preconceito disfarçado, na época (entre 1910 e 1925) entre os moradores daquela vila. O pai dela sempre repudiava qualquer manifestação desse tipo, eterno namorado que era da esposa brasileira, que sempre tratava com grande respeito. Viviam apaixonados um romance que começou ainda aos 18 anos quando ele veio trabalhar na ferrovia, vivendo a primeira grande aventura de sua vida, ao atravessar o Atlântico, num navio cargueiro.
A amizade vivida entre Mary e Jefferson se tornou paixão, aos 13 anos, mais ou menos, quando a troca de olhares e o aperto de mãos se tornaram mais intensos. Ficavam juntos o tempo todo, separando-se aos poucos dos outros adolescentes que costumavam se reunir na pracinha da vila, sempre ao entardecer, para admirar o por do sol. E trocar juras de amor e furtivos beijos.
Quando terminaram o ginásio em Paranapiacaba tiveram que vir para São Paulo,onde haviam o Colégio Mackenzie e o Anglo Americano para filhos de ingleses, pois ambos pretendiam continuar os estudos.Ambos moravam em pensionatos diferentes, mas se encontravam sempre aos fins de semana, para namorar, indo ao Cine Metro, na avenida São João. Pelo menos uma vez por mês pegavam o trem na Estação da Luz e iam ver os pais, pois a saudade batia forte.
Quase na fase adulta, já perto dos 23 anos e faltando pouco para a formatura. Ela, enfermeira padrão e ele jovem engenheiro mecânico, decidiram ficar juntos para sempre, pois era grande o amor entre eles. Foi depois de uma matiné no Cine Metro, num sábado, de Agosto, que eles decidiram que já era a hora de se conhecerem mais.Tinham acabado de assistir, o filme “A Deusa do Canal” com Jean Harlow e Ramón Navarro. Num discreto hotelzinho do Campos Elísios, de propriedade de uma vivida senhora francesa, conhecido por receber estudantes apaixonados, selaram a união para sempre. Mary e Jefferson se entregaram um ao outro, ambos virgens na questão de sexo. Foi uma noite de sonhos para ambos, que só despertaram daquela magia por volta do meio dia de um domingo cálido de inverno. E com muita fome.
Pareciam de novo, aquelas crianças que brincavam dentro dos túneis supostamente mal assombrados naquela ferrovia “Inglesa”, no alto da serra de Cubatão.
“Não importa o que acontecer, meu amor, vou te amar para sempre”, frisou Jefferson. Mary confirmou também sua intenção selando o compromisso com um longo e doce beijo, ambos abraçados no quarto. O hilário foi que durante “a batalha do amor”, lá pelas tantas da madrugada, ambos caíram da cama e foram parar no chão, entre risadas.
De manhã, sonolentos ainda, na mais perfeita paz que dois seres humanos enamorados podem curtir, da janela aberta viram o pico do Jaraguá ao longe e ouviram o longo apito de mais um trem em direção ao interior paulista, saindo da Estação da Luz, com certeza o destino certo ou incerto de muitos outros casais apaixonados começando uma vida nova.
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