terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

QUATRO CACHORROS E UMA SÓ HISTÓRIA



De sete restaram quatro que estão comigo até hoje. Rambinho,o pai (o mais velho,) Pepita, a mãe, Maradona ou (Branquelo) e Neguinha, seus filhos. Um morreu ao nascer e os outros dois foram para um sítio, na Estrada do Varadouro e nunca mais vi. Cerca de quatro anos atrás peguei a Pepita na casa de um primo, em Santa Branca. Ele estava com problemas de saúde e veio a falecer depois de uma longa enfermidade. Mãe de primeira viagem, tive que cuidar de sua prole: comida, banho, vacinas,etc.
O fato é que me apeguei a eles e devido a circunstância da idade confesso que tentei me desfazer da Pepita e do Maradona, nome dado por um amigo. Como continuar a cuidar deles praticamente sem ajuda de ninguém. Apenas um vizinho condoído ajudava. Aí começa o curioso da história. Por duas vezes voltaram para minha casa. No ano passado, na época da vacinação contra a raiva, que foi cancelada, como se sabe, soltei os 4 perto do posto de vacinação localizado num bairro próximo ao meu.
Deixei- os um pouco livre, esperando que voltassem logo. Ficaram 21 dias fora e eu bastante preocupado, pensei comigo... seguiram o seu destino. Mas, para surpresa minha, aproveitei a carona de um amigo num domingo e dei uma passada perto do posto de vacinação só para desencargo de consciência. Pois não é que estavam todos juntos na maior farra num gramado perto do rio. Sobreviveram. Foi a maior alegria quando me viram. Fiquei muito contente e agradecido a Deus, embora soubesse que teria de cuidar deles novamente, numa rotina diária de dar ração, água, pedaços de pão e eventualmente ossos para fortalecer os dentes. Ficam horas roendo os ossos até enterrá-los num canto qualquer do quintal. É duro recolher cocô deles todas as manhãs, faça chuva ou faça sol. Enche o saco, me irrita um pouco, mas...



Da primeira vez tanto a Pepita quanto Maradona escaparam do sítio onde estavam e foram localizados sujos e maltratados morando nas casinhas de um condomínio em construção do outro lado da cidade. Mãe e filho largados na vida, perambulando por aí. Um amigo me telefonou afirmando que eram eles com toda a certeza. Lá fui eu buscá-los com um saquinho de ração. Dei água limpinha para beberem e depois atravessei a cidade toda com eles, acorrentados, procurando os locais mais desertos para não sentir muito vexame. Devo lembrar que todos eles são cachorros sem raça definida. Mas são bonitos e inteligentes.



Da segunda vez Neguinha e Pepita ficaram num sítio mais longe ainda e o dono também não teve muito cuidado e acabou deixando mãe e filha abandonados lá pelos lados da represa do Jaguari cerca de 22 km. de casa. Pensei, lá o lugar é bonito e, com certeza, vão se adaptar ou alguma alma caridosa vai cuidar deles. Gente da roça, creio, é mais apegada aos animais e os tratam com carinho, deixando-os em plena liberdade. Puro engano. Voltaram na madrugada de um Ano Novo, quando todos já estavam dormindo, depois das comemorações, arranhando o portão para entrar, numa alegria que, só posso supor, infinita, por terem localizado o endereço.
O mais estranho é que, como passaram pela Via Dutra, sem serem atropeladas?!. Acho que passaram por debaixo de um viaduto que elas guardaram de memória, sei lá! Mas um amigo me contou a história de um cachorro de sua família, que localizou o novo endereço onde morava distante mais 500 quilômetros, para enorme surpresa de todos.Chegou são e salvo, resfolegando de tanta satisfação. Questão de afeto, carinho, estima, algo assim, tão difíceis de se sentir hoje em dia, até mesmo entre as pessoas, acho eu.



Rambinho, Pepita, Maradona e Neguinha já me deram muito trabalho, agora não tanto. Na convivência diária com eles aprendi muito, refleti muito e se é, como dizem algumas pessoas, vamos nos tornando seres humanos melhores. Muitas vezes, de madrugada, me levanto e vou ver se os quatro estão bem, dormindo o sono justo da espécie, num velho sofá dado por uma vizinha. Mesmo no escuro, acariciando – os, vejo os olhinhos de cada um deles, tão doces e sonolentos,que parecem estar me agradecendo. Nem precisa. São meus companheiros na vigília deste mundo.
Volto a dormir em paz. Ou quase. Às vezes perco o sono só de ver, pelo noticiário da TV e Internet, do jeito que o mundo está! Num ranchinho, lá no fundo do quintal, mantenho até hoje, num oratório bem simples, que ganhei do pai de um amigo, o “seu” Paco, a imagem, em madeira, de São Francisco, aquele que amava os animais.
É essa a história que eu queria contar dos quatro cães que moram comigo até hoje. O resto é a incrível beleza e os eternos mistérios deste mundo que Deus criou...

REFLEXÃO
Lembre-se de que não devemos humilhar ninguém. Os erros que os outros cometem hoje, nós podemos cometê-los amanhã. Não se julgue inatingível nem infalível.Todos podem falhar. Trate os outros com tolerância, para que possa reerguê-los, se errarem. A perfeição não é desta terra. Não exija dos outros aquilo que você também ainda não pode dar.


PEQUENOS POPEYES

“Seu Dimas” tem um sítio nas cercanias de Natividade da Serra, perto da represa. Mas também tem uma pequena casa numa rua do meu bairro. No quintal plantou espinafre. Ele sempre deixa a chave do portão com uma moradora para quem quiser colher um pouco . As mães, muitas vezes atarefadas (ou sem dinheiro mesmo), se esquecem de comprar legumes ou verduras para juntar ao arroz e feijão, com a mistura diária. Desta forma o espinafre, conhecido por suas propriedades vitamínicas, é bastante providencial.
Por isso todos comentam a alma generosa que ele tem. É sempre calmo, gosta de um dedo de prosa e vive perguntando se o espinafre estava bom. Vendo as crianças fortinhas brincando na rua, as mães sempre agradecem a ele. São pequenos Popeyes. Todos saudáveis, frequentando a creche ou a escola do bairro. Peço a Deus que “Seu Dimas” sempre deixe a chave do portão e assim nunca falte espinafre para todos. Dizem que é o seu simples modo de tentar melhorar um pouco este mundo tão carente de tudo.

REFLEXÃO
Se as coisas são inatingíveis...Ora! Não é motivo para não querê-las...Que tristes os caminhos, não fora a presença distante das estrelas. (Mário Quintana)

ROMANCE - ( Ou a Megera Domada 2011)



Foram os enormes olhos azuis de Monique, uma loira da pá virada, que fulminaram o bronco Tadeu, jovem guarda de trânsito da cidade. Endoidou de vez. A primeira vez que a viu, lá vinha ela dirigindo seu carro conversível Ford 1990 se não me engano. Inconsequente, como sempre, já tinha ultrapassado a velocidade na avenida quando foi parada pelo forte apito do guarda, naquele sábado de verão quentíssimo. --- ‘Ai! Seu guarda estou atrasada para a academia de dança, minhas alunas me esperam, por favor!’ --- ‘A senhorita já é campeã de multas de trânsito na cidade! Todo mundo comenta! E agora, como não multá-la por excesso de velocidade?’. Choramingou, chororô e assim, como sempre ganhava as paradas das encrencas em que se metia. Charme enorme. ---‘Tá bem, vou procurar não correr tanto! ’---‘ Olha, moça, desta vez passa mas na próxima vez vou multá –la, sem dó, hein!.’ E ela, acelerando, como é seu nome, bonitão? Tadeu... Ah.! Tadeu, tadano . E deu uma gargalhada... Olha o respeito!... Mas Monique já estava longe.
Nem mesmo as freiras do Colégio Interno Bom Conselho, de Taubaté, conseguiram dar um jeito naquela menina de 12 anos, quando seus pais, ricos empresários, decidiram que só assim ela seria educada e aprenderia boas maneiras. Deve ter puxado o gênio de sua avó materna que, desde jovem, era impetuosa em tudo que fazia, dizia a mãe, já resignada. Pelo pai, Monique ficaria internada para sempre naquele colégio . Seria uma benção se ela virasse freira.
A única que conseguiu melhorar um pouco o comportamento daquela já adolescente, ali pelos 16 anos, foi a madre Hulda, alemã, gorda e enérgica, sua professora de Teologia. Quando percebiam um pequeno tremor de terra na cidade, os moradores já nem se assustavam mais, pois já sabiam que devia ser um dos ataques de cólera da madre Hulda ao interpelar suas alunas por causa de alguma grave travessura. Eu querer sabbbberrr quem foi que fez que fez iiissso? E lá vinha o castigo, com severidade



germânica.
Um dia, Monique convenceu Marianinha, sua colega de quarto, para, de madrugada, entrarem furtivamente, na despensa do Colégio, em busca de pedaços deliciosos de marmelada que tinham servido na hora do jantar. Para chegarem até lá precisavam passar por um longo corredor cheio de portas. Ninguém sabe como, Monique tinha pegado as chaves. Mostrou, triunfante, para a quase horrorizada Marianinha, que já estava tremendo pelo castigo que haveriam de ter. Vai ser fácil, convenceu Monique, vamos... Ou eu não me chamo MO NI QUE!, frisou, não medindo as conseqüências que esta audácia haveria de ter. Lambuzaram-se de marmelada e de quebra avançaram nos queijos mineiros recém chegados que estavam na enorme geladeira da despensa.
Só não podiam contar com o mal estar da madre Hulda que se levantou no meio da noite em busca de um remédio que combatesse sua prisão de ventre. Ué, quem deixou estas portas abertas?! Ah! Deve ser madre Imaculada, está ficando velha e esquecida... Tomou o remédio e lá veio ela aliviada arrotando e soltando “pums” corredor a fora, fechando todas as portas, para o desespero das duas alunas que ficaram trancadas até de manhã, na despensa. Não teve outra saída. Foi uma bronca daquelas.
Quase no final do ano letivo, quando viria passar férias com seus pais, Monique aprontou outra travessura. Junto com Sheila, outra colega, de Cruzeiro, que os pais também queriam que ficassem internadas para sempre no Bom Conselho... ou num hospício qualquer, decidiram escalar o alto muro do Colégio e, de maleta em punho, foram para a beira da Via Dutra, decididas em conhecer a Argentina.
Sem muita noção ficaram do outro lado da pista sentido Rio de Janeiro. Por sorte, nenhum caminhoneiro parou para elas. O dia já estava amanhecendo. Quando perceberam o erro, começaram a chorar. E agora?... e agora?...as freiras vão matar a gente, vamos ser expulsas! Para vergonha do colégio, foi um policial que devolveu as duas traquinas às mãos das freiras. Quando ficaram frente a frente com madre Hulda, esta parecia uma chaleira de água fervendo, apitando, de tão vermelha, tamanha era a sua raiva . O Colégio inteiro recuou, temendo pela sorte das duas, ninguém ousou abrir a boca ou dirigir uma palavra sequer para as madres superioras naquele dia.
Mais um terremoto, desta vez sentido até pela colônia italiana de Quiririm. “Dio mio, qui que tá con te cendo?, exclamou apavorada dona Colcheta, proprietária de uma casa de massas.
E foi assim. Passaram-se mais alguns anos e, ufa!, Monique conseguiu diplomar-se pelo tradicional colégio deste Vale do Paraíba. No dia da formatura e despedidas, a madre Hulda estava lá emocionada, abraçando Monique, só disse: Juizo hein, menina! ...Para as freiras também é assim: suas pupilas sempre acabam deixando saudades...



“Tadeu, Tadeu, não é propriamente um nome bonito, mas também não é feio,” ficou pensando Monique naquele dia. Mas o nome não saiu mais de sua cabeça. Até o dia em que lá veio ela de novo em alta velocidade. Parou a tempo de levar mais uma multa, pois o guarda de trânsito lá estava de plantão. Esperando por ela?! Tadeu sentiu o coração se acelerar de novo, como da primeira vez. Monique disse olá como vai? Tudo bem? Seus olhares se cruzaram. Tudo bem!, graças a Deus. Então, tchau! A gente se vê por aí, a cidade é pequena, né Tadeu, tadano, disse brincando. Perdendo um pouco a sua compostura,Tadeu quase mandou ela tomar... naquele lugar.
Uma tarde, Monique resolveu tomar um sorvete, junto com sua amiga e cúmplice Dora, na Sorveteria Leal. Ela não sabe por que, mas o pequeno lugar é bastante agradável. Seus pais já tomavam sorvete ali. E ali começaram a namorar. Agora ricos, só passeavam nos shoppings, adeus a simplicidade daquela sorveteira, encravada no coração da cidade que já estava mudando bastante e rapidamente a sua fisionomia urbana e seus costumes sociais. Pois não é que Tadeu, de folga estava lá tomando o seu sorvete preferido.
Tem um momento na vida que, da convivência surge amizade e ela se transforma em namoro. Agora nem Tadeu, nem Monique conseguiam dormir direito. Um pensando no outro. Ele, tímido, tipo rapaz conservador. Classe média baixa. Ela, tipo dondoquinha, olhava tudo um pouco de cima. Foi sincera com Tadeu. Olha você é pobre, não chega nem aos meus pés, como vai ser? Mesmo que a gente se gostasse muito, a barreira da minha família vai ser enorme. Eles querem que eu namore e me case com gente da minha classe social. A não ser que a gente jogue tudo prá cima. Não sei se estou preparada prá isso. Tadeu engoliu tudo em seco, ficou na dele, embora a decepção tivesse sido grande.
É mesmo, talvez eu não servi prá você, mas você também, fique sabendo, não faz meu tipo. Ah! Vá a merda, Tadeu. Ah! Vá você, sua riquinha de meia tigela! A é seu guardinha, você precisa subir muito na vida prá poder me conquistar, não se enxerga! Desta vez foi ele que saiu queimando os pneus. E ela, remoendo, volta aqui, seu idiota! Ele voltou sim, mas para dar o primeiro, mais impetuoso e doce beijo de sua vida em Monique, que fingiu não gostar, mas correspondeu totalmente. E assim foi. Embora estivessem de lados opostos, se reconciliavam, brigavam e vice – versa.Fingiam que não estavam nem aí um para o outro, mas... Sempre o orgulho machista de Tadeu, amante latino difícil de controlar o gênio e Monique, o narizinho empinado, sempre com aqueles óculos escuros, último tipo, soberba. Ambos chorando por tabela, se ficassem muito tempo longe um do outro. Como na música: É o AMOR...
Durante cinco anos foi assim. Não teve jeito, com todas as diferenças sociais, todas as brigas e retornos, um dia as duas famílias, a rica e pobre, tiveram de se conhecer para marcar noivado e, depois, o casamento. Cinco anos foi o suficiente para Tadeu se formar em Administração de Empresas, curso noturno e ingressar numa grande empresa que viu nele um talento enorme em gestão e logística. Provou do que era capaz. Monique cresceu com sua Academia de Ginástica que ficou famosa na cidade. Ambos cresceram também em maturidade. Fizeram planos para terem 10 filhos, ora vejam, nos dias de hoje!
Uma noite a mãe de Tadeu, dona Rosinha, ouviu choro no quarto e abriu, de mansinho, a porta. O que foi meu filho? Nada não, mãe, fecha a porta para os meus irmãos não ouvirem. E confessou: mãe, não aguento mais, sou louco por esta mulher desta a primeira vez que a vi. Será macumba, mãe, a senhora sabe, a gente não acredita nisso, não é! Será que vai dar certo? Abraçando ternamente o filho, a mãe, limpando as lágrimas, disse, com aquela experiência de vida – é assim mesmo, meu filho, vocês se gostam e muito, vai dar tudo certo!, vai ver.
Do mesmo modo, dona Carmem, mãe de Monique, uma noite, ouviu choro no quarto da filha. O que foi minha filha? Depois de minutos de silêncio, em que parecia que ambas estavam rezando baixinho, Monique desabafou – Mãe, acho que Tadeu é o homem de minha vida. Sou louca por ele! No começo eu achava ele muito bronco, mas cinco anos, mãe, não são cinco dias, a gente briga, tem ciúme um do outro , volta e agora está assim, a gente tem de ver todos os dias.Somos puro carinho, um para o outro.Quando a senhora namorava com papai, era assim? Virgem Maria, era assim mesmo! Os tempos eram outros. Era tudo muito contido, mas na essência, o fogo da paixão estava sempre acesso. Fique calma, vai dar tudo certo, você verá.
Tudo resolvido, chegou o grande dia. O do casamento. Que foi um dos mais comentados na cidade. Todas as arestas foram resolvidas. O que mais Tadeu temia: o pai de Monique, por ser mais rico quis bancar tudo. Nã,nã,ni,nã,nã. O velho pai de Tadeu, dono da mais antiga barbearia da cidade, encarou o pai de Monique, com todo aquele orgulho das antigas – Todas as despesas serão divididas ao meio. É claro que Monique e Tadeu também economizaram para dar uma grande festa e foi o que se viu, um congraçamento de diferenças sociais, mas tanto na igreja, ricamente decorada com flores brancas e vermelhas, como no serviço de bufê, tudo do bom e do melhor. O casamento foi assunto durante um mês e tanto...
Na igreja, loucos e apaixonados, os noivos Tadeu e Monique e as emocionadas famílias deram um show de comentários. Tudo estava muito lindo ao som da clássica marcha nupcial de Haendel, da Ave Maria, de Gounod e músicas populares nacionais e internacionais, em momentos marcantes da cerimônia religiosa celebrada pelo padre Eustáquio, que conhecia os noivos desde crianças. E tratava todos igualmente, fossem ricos, remediados ou pobres.
O inusitado da cerimônia, já que tudo termina bem, em tom de brincadeira, foi o abraço de Tadeu em Monique, sussurrando - Te amei desde o primeiro momento, meu amor. Por sua vez, depois das alianças e do juramento, Monique beijou Tadeu e sussurrou no seu ouvido – Vou te fazer o homem mais feliz do mundo, meu amor, disfarçando uma mordidela na ponta de sua orelha.Tadeu estremeceu por inteiro e quase teve um enfarte ali mesmo. Poucos viram a brincadeira e mesmo o padre sorriu, meio cúmplice. Os tempos estão mudando. Minha vampira, disse baixinho Tadeu. Seu bôbo, gemeu Monique.

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