segunda-feira, 14 de março de 2011

DANILO E GISELE CONVIDAM PARA O SEU ENLACE MATRIMONIAL

O único trunfo que Verônica tinha, a sua derradeira carta no jogo sujo da vida, era aquele filho lindo de morrer. Sensível, inteligente e simpático, Danilo era, entretanto, fruto de um amor proibido em sua juventude. Cobiçado pelas jovens solteiras da cidade, levava uma vida discreta, quase terminando o curso de Medicina, bancado a muito custo por sua mãe. Verônica tinha feito todos os sacrifícios para criar o filho sozinha, tendo apenas a ajuda de algumas amigas, já que os parentes queriam vê-la sempre à distância. Recebiam Danilo em suas casas, por alguma consideração. Cresceu sem saber quem era o pai. Mas nunca perguntou nada. Mágoas passavam longe dele. E assim foi crescendo.
Verônica foi expulsa de casa pelo pai quando soube do “mal passo” da filha. Não teve outro jeito. Na zona de meretrício do Buiê-ê, também conhecida como “Buraco da Onça”, numa cidadezinha do Sul de Minas, Verônica teve e criou o filho até quando pode. A parteira já tinha achado lindo demais aquele bebê. As meninas do bordel então, noooosssaaa! Queriam ficar com ele no colo o tempo todo, como se o filho de Verônica fosse delas. Depois, um grupo de freiras caridosas cuidou da educação do menino, guardando o segredo para todo o sempre, sem que ele fosse deixado na roda dos enjeitados. Para sobreviver a mãe ficou bastante conhecida como intérprete de músicas românticas que falavam da solidão do amor não retribuído. Era a favorita do cabaré onde se apresentava e tirava o seu ganha pão. Até que um rico empresário, apaixonado pelos seus cabelos ruivos e olhar castanho profundo e misterioso decidiu montar uma casa só para ela. Viveu, por vários anos em Santos. A casa era um palacete que o empresário recebeu como parte da herança de sua família. Pode, desta forma, viver discretamente e tirar o filho do Colégio de freiras para morar com ela colocando uma enorme pedra sobre o seu passado.
Danilo já tinha uns 12 anos. Algum tempo depois, com o falecimento do rico empresário, que sempre preferiu ficar incógnito, Verônica foi surpreendida com uma pequena fortuna deixada num banco . Nada mais foi questionado.



Quase terminando o curso de Medicina Danilo foi fazer residência na Santa Casa de Misericórdia da cidade de Cunha onde sua mãe tinha nascido, no Vale do Paraíba. Foi aí que começou o Deus nos acuda! Danilo, do alto de seus 27 anos passou a ser quase venerado como um Deus pelas mulheres casadoiras da cidade. Todo dia era uma verdadeira romaria de jovens solteiras na Santa Casa só para vê-lo. Algumas mantinham a calma, a discrição, outras não. As mais nervosas acabavam dizendo nas consultas, descaradamente, “ sabe doutor, o senhor é tão lindo, que já me esqueci o que tinha!” Danilo acabava rindo, mas tratava todas com muito carinho.
Ficou famoso na cidade pela gentileza com que tratava as pessoas. Vivia agora, com a mãe, num pequeno, mas confortável sobrado. Contava para sua mãe todas as proezas de suas pacientes ou nem tanto. Todas carentes de amor. Mas a mãe, sorrindo e tomando um bom vinho do Porto, argumentava se já não estava na hora de casar. Aí ele pegava a mãe no colo e carinhosamente dizia “Dona Verônica tá na hora de dormir, vai”, desconversando.
Já andavam dizendo na cidade que Danilo era um anjo viril caído do céu por acaso. Um milagre! diziam algumas beatas. As moças suspiravam quando ele entrava na Padaria Paris, no centro de Cunha onde todos se reuniam numa espécie de “Happy Hour”. Tomava um cafezinho com os amigos e comprava pães. A “turca” Zobaida, dona de um armarinho na rua do Mercado, comentava, “vai ser lindo assim lá em casa!”, devorando um enorme Beirute. A espanhola Sarita ao vê –lo viajava de volta para Sevilha, tocando castanholas e dançando flamengo. “Muy Guapo”. Já a meio caipira, mas louca de esperta, Sibil (Sibir para os íntimos), rezava “Mas que pedaço de mal caminho , crendos padres!” As adolescentes então! Sonhavam, com Clark Gable, como a Judy Garland. Danilo sorria, sempre.
Se destacava dos outros jovens pela sua vasta cultura. Antes dos 20 anos, sonhando em ser escritor já tinha lido um pouco de tudo. De Machado de Assis a Thomas Mann. Gostava dos filósofos gregos. Meditava em seu quarto, em cuja sacada lateral podia ver a Rua do Mercado e, nas noites quentes, ficava ouvindo a soprano lírico Alva cantando acompanhada ao piano por seu sobrinho, o tenor Fabiano. E sonhava mais ainda. Nessas horas mortas a rua do Mercado virava, em sua imaginação, em ruas de Nova Iorque, Paris, Roma, Londres, na Ópera de Paris, no La Scala , de Milão, onde fosse neste mundão de Deus. Lima Barreto, Aluísio Azevedo, Fernando Sabino, Cecília Meirelles, Manuel Bandeira, Guimarães Rosa,Raquel de Queiróz, João Cabral de Melo Neto entre os brasileiros e Fernando Pessoa, Eça de Queirós,Sartre,Borges, entre antigos e recentes, Danilo se mantinha em dia, atualizado com todos. Adorava Filmes, os bons filmes. Música, era eclético. Chico Buarque, Cartola, Noel Rosa, pops, como os Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, o bolero de Ravel e por aí a fora.

Uma vez, provando o seu grande caráter e compaixão pelo próximo, defendeu abertamente, um colega gay na Faculdade que estava sendo humilhado pelos outros. “Nada a ver, meus amigos, cada um é o que é, não vou deixar de ser colega dele só, por isso!” E abraçou Dedé, também conhecido por “Oscar Wilde”, nas rodas universitárias, por sua preferência pelo escritor inglês na época da rainha Vitória. Em Cunha, pegava sua valise de médico jovem e, de jipe ia atender a população rural sem recursos.Voltava cansado, mas realizado e, não fora poucas as vezes, que caía em prantos nos braços da mãe. “É muita pobreza, mãe, parece que Deus esqueceu dessa gente, nunca vou me conformar!”
Discreto como era, ninguém poderia imaginar que Danilo já tinha feito a sua escolha, aquela que iria conviver para sempre ao seu lado, como dona de seu coração. Era Gisele, de São José dos Campos, formada em clínica geral, como ele. Quando a trouxe para Cunha, as moças quase entraram em pânico. “Vai se casar!”, Ai, eu me mato, ai, entro prum convento! Casamento marcado na Igreja do Carmo, que ficou lotada, muitas mulheres chorando. As que se achavam preteridas fizeram o maior escândalo na porta igreja.


Passaram mal. Se escabelaram, mas não teve jeito. Quase foi preciso chamar uma ambulância, pois fingimento não era!


Por precaução e para ter total certeza do passo que ia dar, Gisele recorreu, meses antes do casamento,à vidente Jupira Bola de Cristal, famosa na rua Salvador Preto, num bairro de Jacareí e bem relacionada na sociedade local e na região, pelos seus acertos em vários casos pessoais envolvendo dinheiro, traição, amor e paixão. A vidente viu tudo dentro da bola de cristal e dentro de uma bacia com água numa dessas noites em que as estrelas parecem estar bem próximas da Terra e refletidas na bacia de Jupira. Lá estava o rosto de Danilo cercado de estrelas de todas as possíveis galáxias do universo. É ele mesmo, minha filha, pode ir em frente e seja feliz, muito feliz, imensamente feliz.
E a felicidade era geral mesmo durante a cerimônia religiosa do casamento de Danilo e Gisele, como no final feliz daqueles filmes antigos de Frank Capra, considerado o mais otimista dos diretores de cinema de uma Hollywood que não existe mais, Filmes como “ A Felicidade Não se Compra” ou no “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”, de um diretor iniciante Billy Wilder.


E dentro da igreja, discretamente saboreando seu grande triunfo,depois de tantas injustiças e sacrifícios, lá estava, prá lá de chic, Verônica, a mãe do mais belo,másculo, bom e gentil noivo que já apareceu por aqui. E uma súbita, doce e escancarada alegria invadiu o seu coração de mãe.


E pensou, limpando as lágrimas de emoção nos olhos, “meu filho querido, você é o grande amor da minha vida”.
Danilo e Gisele moram há dez anos no bairro de Williansburg,atualmente o mais badalado reduto boêmio de músicos, intelectuais e artistas de cinema e TV de várias nacionalidades, em Nova Iorque, onde abriram uma bem sucedida clínica médica para atender brasileiros,latinos e estrangeiros de várias partes do mundo, tentando um lugar ao sol na “Big Apple”. De vez em quando a “vó” Verônica viaja prá lá para ver o casal de netos, Adriano e Mariana. Danilo e Gisele até querem voltar para o Brasil, mas está cada vez mais difícil pois trabalham muito, cada vez mais. Todos formam, enfim, uma família feliz.

Um comentário:

  1. Puxa Edvaldo, como gostei deste seu texto. Receba os meus sinceros PARABÉNS.
    Livingstone

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