quinta-feira, 24 de março de 2011

O DRAMA DO PROFESSOR “CLARO QUE...” (Baseado em fatos reais)

O professor Rodolfo chegou por aqui em l961. Assumiu as aulas de História no único grande colégio estadual do município pois era efetivo na matéria. Queria reiniciar vida nova e esquecer dramas vividos no passado. Na faixa dos 30 anos logo conquistou a simpatia dos novos colegas e alunos que passaram a admirar seu talento revelado na forma descontraída de dar aulas. Já no primeiro dia letivo conquistou a admiração das classes, principalmente das normalistas e nos cursos clássico e científico. Todos ficaram conhecendo a sua cultura e educação no trato com as pessoas na cidade.
Pelo seu hábito de frisar os assuntos com a expressão “...claro que...” acentuando determinadas alternativas em suas explicações, denotando profundo conhecimento histórico, arrancava gargalhadas nas classes, acentuando as manias de muitos personagens históricos que eram desconhecidos dos alunos. Demolia, muitas vezes, verdades consagradas na história. Quem era na verdade Cleópatra, Napoleão, D. Pedro I, a rainha Vitória, etc. fosse quem fosse? Recheava suas aulas com fatos hilários, tornando atraentes os conteúdos previstos no programa. Não havia quem não elogiasse suas aulas inesquecíveis. “Lá vem o professor ‘Claro Que!’ ”, diziam. E os alunos o recebiam com muitos aplausos.

Como era casado e tinha um casal de filhos pequenos, veio na frente, morou alguns dias numa pensão e depois trouxe a família que tinha ficado em São José, do Rio Preto, sua terra natal. Alugou uma pequena casa e foi se estabelecendo aos poucos, fazendo novas amizades e,comprando,habitualmente, nos fins de semana, exemplar do jornal O Estado de São Paulo, que lia na varanda da casa ouvindo MPB e música clássica. Muitas vezes varava as madrugadas corrigindo provas e trabalhos de pesquisa ouvindo sempre o disco: “Pérolas no Veludo”, para acalmar o espírito. Era rigoroso e exigente na cobrança das provas, redações e pesquisas. É claro que isso revertia apenas para benefício dos próprios alunos.
Alguns professores sabiam do drama vivido pelo professor Rodolfo. Afinal, o acidente foi noticiado nos jornais, revistas, rádios e TVs do país. A comoção tomou conta de todos, na época, 1959. Não era segredo, portanto. Só não se falava muito no assunto. Mas, algumas vezes, todos podiam vê-lo, muito cabisbaixo, triste mesmo, num canto da sala dos professores, no recreio dos alunos, na biblioteca,nos corredores, remoendo lembranças que ele carregou para sempre em sua mente e em seu grande coração.
Voltando de uma excursão a Santos e a São Paulo, onde os alunos ficaram hospedados num fim de semana prolongado, conhecendo a Via Anchieta, o porto, as praias,o Museu do Ipiranga,o Instituto Butantã, o Ibirapuera, o centro financeiro da capital e outros locais, por uma falha técnica um dos dois ônibus onde viajavam 40 alunos bateu na cabeceira da ponte e mergulhou nas águas do Rio Preto, quase chegando na cidade, naquele entardecer de abril. Todos estavam alegres e com muitas novidades para contar. Momento inesquecível na vida daquelas crianças e adolescentes interioranos.

O professor Rodolfo e outros colegas estavam no primeiro ônibus. Pararam logo após ao perceberem o grave acidente. Todos saíram desesperados e gritando. Entretanto nada puderam fazer. Todos morreram afogados nas águas do rio Preto. Naquela época equipes de socorro e resgate eram praticamente inexistentes. Tudo foi feito com muita dificuldade. A cidade cobriu – se de luto e parou para assistir ao enterro coletivo daqueles alunos. Pais e mães ficaram inconsoláveis. Uma tragédia que abalou a todos. Os professores se revezavam para consolar as famílias enlutadas. O professor Rodolfo foi incansável na solidariedade a todos. Não sabia de onde tirar tanta força, chorando copiosamente, junto com os outros. Na quadra do clube estavam, inertes, em seus caixões, colhidos pelos braços implacáveis e inesperados da morte, os seus muito queridos 40 alunos. Só o tempo, correndo célere, pode aos poucos, fazer tudo voltar ao cotidiano normal. Porém, esquecer a tragédia, nunca. Devastou a todos pela sua enorme e implacável fatalidade.
Depois de uma semana, numa segunda – feira, de manhã, as aulas deveriam voltar ao seu ritmo habitual. Às sete horas, tocou-se a sineta e os alunos foram entrando, silenciosamente, pelos corredores da escola de dois andares. Tomando acento nas carteiras de suas classes. Entretanto, o professor Rodolfo, sem ter notado, dirigiu-se justamente à classe do 1º. Científico.
A Classe estava praticamente vazia. E em cada carteira, os alunos restantes, tinham colocado uma rosa vermelha em homenagem aos colegas que morreram. Foi grande o desespero do professor Rodolfo, chorando inconsolável, abraçado pelos colegas e alguns alunos, as cadernetas espalhadas, perdido,no meio da classe,sem chão, sem ar,sem nada, com o coração apertado de tanta tristeza, na primeira grande dor de sua vida. Anos mais tarde, refletiria, que tinha morrido também um pouco dele com aqueles alunos. Uma perda que ficou inesquecível em sua memória, mesmo que tocando a vida pra frente, prá frente. Sempre.

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