quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Tapete Persa

Nos fundos de uma pequena loja de armarinhos localizada na principal praça da minha cidade havia um grande tapete persa, relíquia trazida do Líbano pelo dono e guardado com muito carinho numa parede branca. Eu tinha pouca noção de sua importância pois, com apenas 13 anos, o que eu sabia de tudo. Nada! Começava ainda aprender sobre o mundo, seu tamanho e as maravilhas e os mistérios que ele guardava. E também suas misérias. Não me falha a memória, depois de tanto tempo, mostrava um harém, odaliscas lânguidas, um sultão fumando narquile e admirando a dança do ventre de uma delas, com um véu sobre o rosto. Ao lado dos almofadões de seda, uma lamparina acesa brilhava. Na paisagem externa da tenda havia ainda um majestoso cavalo árabe branco montado por um príncipe trajando um rico manto cravejado de pérolas, diamantes, esmeraldas, rubis e muitas outras pedras preciosas.
Na faina diária de limpar a loja, tirar o pó e recolocar no seu devido lugar rolos e mais rolos de tecidos caros, pouco tempo tinha para apreciar aquilo, que hoje sei, é uma preciosidade. Era um tapete persa da mais alta qualidade e tradição. Começava ali, quase sem noção, o meu aprendizado das artes e da própria vida. Não foram poucas as vezes que eu surpreendia o “seu” Madhyd chorando, emocionado, diante daquele enorme tapete, balbuciando palavras em árabe, mas para mim totalmente incompreensíveis. Imaginava que ele deveria estar sentindo uma devastadora saudade de sua terra distante, o Oriente Médio, de onde veio para o Brasil, bem jovenzinho ainda. Foi ele e sua família quem me deu o meu primeiro emprego.
Uma de suas filhas, Samira, viajava com frequência para a França e de lá para Beirute, conhecida, na época, como “a Paris do Oriente Médio”. Falava francês e nos encantava com suas aulas naquele grande colégio, na rua Barão. Para nós alunos da noite, ginasianos, ainda imberbes, era um raro privilégio. Eu me sentia cosmopolita já vivendo em qualquer lugar do mundo. Sonho e mais sonho. Com muito orgulho eu dizia para meus colegas que trabalhava na loja do pai dela.
Mostrava para eles, boquiabertos e com os olhos arregalados, folhetos turísticos da Air France mostrando os roteiros que a nossa professora seguia do Brasil a Paris e de lá para Beirute. Eu sempre encontrava vários destes folhetos jogados num canto qualquer da loja. Eu os lia com sede de saber e de aventura. De São Paulo ( Congonhas), num Superconstelation, o vôo ia até o Galeão, no Rio ( hoje Aeroporto Internacional Tom Jobim). A última parada era em Recife, para depois cruzar o Oceano Atlântico (Ilhas Canárias), depois Lisboa, em Portugal e, finalmente Paris. Tudo muito chic. Mas era diferente da rapidez de hoje, nos aviões a jato. A viagem era muito demorada. Uma aventura grandiosa, eu imaginava!
Lá pelos meus 17 anos, ainda no ginásio, eu e meus colegas ficamos sabendo que iríamos ter aulas de francês com uma nova professora. De São José dos Campos. Tinha se formado recentemente na Sorbonne, em Paris e que tinha, em seus 30 anos, grande bagagem cultural. Conhecera praticamente todos os grandes museus da Europa e, moderníssima para a época, trajava–se perfeitamente, como a musa do Existencialismo, Juliette Grecco, fã de carteirinha, portanto, dos filósofos e escritores franceses Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir.



Ah! Praquê! Logo depois de suas primeiras aulas, já éramos todos, perdidamente existencialistas, com náuseas do mundo, de braços dados também com Jack Keruak, geração beatnik, tudo junto e misturado, apaixonados por Caetano e Gal e etc, que no Brasil formavam a galera do Tropicalismo. Não perdíamos uma apresentação dos Festivais de MPB, na TV Record, no aparelho preto e branco ainda, mais próximo do Colégio onde, com permissão da dona da casa, mãe de uma das alunas, vivíamos eternamente apaixonados, com profundas olheiras existencialistas, de tanto contestar o mundo, mesmo que de certa forma, ingenuamente, querendo mudar o velho pelo novo, introduzindo novos valores e comportamentos. Agíamos todos como se tivéssemos descoberto o segredo entre a vida e a morte, embora precocemente!
Helena Kalil se misturava com a gente e costumava voltar tarde prá casa, nas noites de sexta–feira, após suas duas últimas aulas. Com ela queríamos falar francês o mais rápido possível para poder viajar e conhecer o mundo e fazer novas amizades. Quem podia já estudava na Aliança Francesa em SJC. Eram aulas de profundo conhecimento que se juntavam às da professora Heloísa Helena, de Filosofia, que nos deixava profundamente perturbados. Eu me sentia voando num tapete persa maravilhoso. Querendo aprofundar os conhecimentos que recebia. Éramos todos apaixonados por elas. Ao final do curso clássico (Área de Humanas), hoje Ensino Médio, um grupo de alunos já estava se aventurando em viver e trabalhar em São Paulo, que, já em meados dos anos 60, nos atraía, como um forte imã. São Paulo era a metrópole! Do trabalho e da cultura. Pólo vital para nossos sonhos. De onde vinha toda nossa força e coragem.
Recentemente vi, na casa de um casal amigo um destes tapetes persas, de suntuosa beleza. Curioso, me aproximei mais. Percebi o quanto de provocativo existia nele. Como num daqueles contos das mil e uma noites.

Um comentário:

  1. Ah,Edvaldo,Edvaldo! Onde foram se esconder nossos anos dourados com seus sonhos...Delícia ler você, meu amigo querido!
    Beijos!

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