terça-feira, 21 de junho de 2011

A MENINA QUE VIA TUDO BONITO

Olha mamãe, que bonito! Maria Consuelo desde pequena assim exclamava chamando a atenção de todos. Com o rostinho quase colado na janela do ônibus que a levava para um passeio em São Francisco Xavier, bucólico e encantador distrito de São José dos Campos, perseguia com os olhos o riacho cheio de pequenas cascatas que descia do alto da serra.

Que bonito! Aí todo mundo queria ver a paisagem de ambos os lados, saindo da indiferença costumeira. Alguns usavam câmeras digitais ou celulares registrando detalhes dos lagos, pesqueiros, ribeirões correndo entre as pedras cobertas de musgos; das matas, dos campos e dos vários sítios e chácaras com suas flores, plantas e pequenos animais pastando, cavalos, bois e vacas.
E o ônibus seguia sua viagem encantada, com todos se confraternizando alegremente. Tudo por causa de Maria Consuelo e sua mania (mania?) de ver tudo bonito. A menina, já com 11 anos, ficava embevecida e calada só olhando, com profundidade a beleza da pródiga natureza. Era assim, por onde passava exclamava que bonito, chamando a atenção das pessoas, pegando – as desprevenidas em seu cotidiano anestesiado pela pressa, não vendo e não sentindo nada. Continuava exclamando baixinho, com medo de que pudesse perder aqueles momentos mágicos de rara beleza e encantamento diante dos mais variados cenários. Tanto na roça, como nas praças das cidades por onde passava e nas praias do Litoral Norte Maria Consuelo adorava ver todos os detalhes que acabavam fixos em sua retina.
Era uma menina calma, mas não diferente das outras, nos conhecidos interesses da infância e da adolescência. Tinha este predicado: não deixar de perceber a beleza de tudo. Por exemplo, quando viu o mar pela primeira vez, as ondas quebrando na praia, a areia, o sol e seu calor, desde o amanhecer até o poente, o azul do céu, a lua e as estrelas aos poucos pontilhando cada vez mais intensamente no infinito. Tinha um caderno onde começou a registrar tudo o que via, como um pequeno diário das belezas que via. E vivia um eterno idílio com a natureza. A dor das perdas, na maioria das vezes, passava bem longe dela. Sabia que os entes queridos assim como os animais de estimação algum dia tinham que partir. Foi educada para refletir sempre que nada era para sempre, entretanto. E se conformava.
Ela tinha perfeita noção do que os homens em sua ânsia de lucros estavam fazendo com a natureza. Aí é que não se conformava mesmo, ficando agitada e falando pelos cotovelos, quase esbravejando, cheia de incontida raiva quando via na TV notícias mostrando os correntões que os fazendeiros estavam usando para acabar com trechos da Amazônia. Ficava horas na Internet vendo a região do Jalapão,em Tocantins e suas paisagens quase intocáveis.

Que lugar bonito! Em seu quarto, quando ia deitar ficava com os olhos bem abertos no teto que aos poucos ia se transformando num filme onde apareciam os duendes das florestas e outros seres sobrenaturais, mantendo com eles um silencioso e prazeiroso diálogo. Muitas vezes a mãe, com aquela eterna doçura e preocupação, ao abrir, um pouquinho a porta do quarto, via que a filha estava sorrindo, mas no mais profundo dos sonos...e dos sonhos. Seus outros irmãos Pedro, Ana e Catarina, eram seus cúmplices em busca da beleza.
Uma professora a incentivou a pintar também suas impressões ecológicas e dar ainda mais asas a sua imaginação. Foi assim que Maria Consuelo começou fazer desenhos e a pintar. “Tudo o que você ver e sentir pelos caminhos que passar faça anotações,fotografe, escreva histórias e desenhe, não deixe mesmo nada passar despercebido. O mundo tem realmente paisagens maravilhosas, embora possa haver também coisas feias e degradadas. Temos que aprender e tentar deixar tudo mais bonito”, dizia Adalgisa, a sua professora, acrescentando cada vez mais conhecimento e sentimento na cabeça da aluna.
Escombros, quinquilharias e sucatas também a atraíam, depois de um certo tempo, lá pelos seus 17 anos,pois procurava ver uma nova utilidade para aquilo que já tinha tido sua época e seu valor ornamental. Beleza na decadência. Começava aí também sua fase de decoradora. “Olha como ficou bonito!”, dizia referindo – se a um vaso, uma cadeira, uma porta ou janela, coisas, enfim que ela garimpava em ferro velhos e demolições e transformava com seu talento.Começou a ganhar dinheiro com isso, como consequência...
Aos 19 anos, criou coragem e começou a fazer montanhismo, arborismo e a praticar outros esportes radicais como saltar de asa delta com sua turma lá em São Bento do Sapucaí. Além das trilhas que fazia todo final de semana costumava nadar em rios e lagos e tomar banho na primeira cachoeira que encontrasse pelo caminho. O prazer era enorme, comentava. Em sonhos se via numa Asa Delta cruzando as serras da Mantiqueira, o Vale do Paraíba, a Serra do Mar e descer em alguma praia do Litoral Norte, como a praia da Fazendinha, em Ubatuba, uma de suas preferidas.

Maria Consuelo tinha, contudo, seus momentos de pânico. Recolhia-se a um canto qualquer da casa, de preferência lá no fundo do quintal, com medo de que as pessoas não pudessem entender seus sentimentos. Momentos que só ela, apenas ela, queria desfrutar, sem compartilhar com ninguém, não por egocentrismo ou egoísmo, mas por puro medo de que pudessem roubar aquela vastidão de reflexões e imaginação que, várias vezes terminava num turbilhão mental, em lágrimas, furtivas ou em silêncios mais abissais ainda. “Que faço da minha vida!”, resmungava, limpando os olhos. Ela chamava esses momentos, de “conversa no fundo do poço”.
Mas estava tudo ali tão perto, com claridade meridiana, inclusive o grande amor que seus familiares sentiam por ela, principalmente a avó romena que praticamente entendia tudo daquela neta adorada. Aos 21 anos a anciã, que conciliava em si desmedido afeto e sabedoria, proporcionou a ela sua primeira viagem à Europa, com tanto que ela participasse ativamente de uma grande passeata do Greenpeace, ONG ecológica mundial, em uma de suas passagens pelo Brasil, na ECO 92, no Rio. Missão que Maria Consuelo tirou de letra.

É claro que ela foi muito mais longe. Começou a participar do grupo SOS Mata Atlântica, tornando-se uma das líderes. Uma vez até tentou impedir a ação dos barcos baleeiros no Oceano Pacífico, com o Greenpeace e a conscientizar a preservação ambiental em várias cidades e penetrar nas selvas, em sua fauna e flora em busca daquela beleza que ela procurava manter desde a infância.

Consuelo, agora ao lado do apaixonado Victor, seu companheiro na ONG, se emocionava com tudo o que via, fosse um bichinho, uma borboleta; uma cachoeira, um riacho, ou um rio largo, descendo para o mar ou o encontro de suas águas em vários deltas que conheceu mundo afora.

Às vezes, sentada junto de uma árvore, olhando o pôr do sol, adormecia de puro cansaço das jornadas. Cansada mas compensada, do fundo de seu coração, por tudo que o Deus Natureza tinha lhe proporcionado.

Estava do outro lado do mundo, participando de um protesto contra as usinas nucleares de Fukushima, abaladas por um terremoto e um tsunami, no Japão quando recebeu um telefonema do Brasil. Sua avó tinha falecido. Aí não teve jeito mesmo. A dor penetrou no âmago de sua alma. E chorou amargamente nos braços de Victor. De pura saudade da avó.




CORTA! - TRINTA ANOS SEM MAZZAROPPI – Algumas recordações
Título Original: A Carrocinha
Ano/País/Gênero/Duração: 1955 / Brasil / Comédia / 100min
Direção: Agostinho Martins Pereira
Produção: Jaime Prades
Roteiro: Walter George Durst, Agostinho Martins Pereira, Galileu Garcia, Jacques Deheinzelin
Fotografia: Jacques Deheinzelin
Música: Giovanni Zalunardo

Elenco

Amácio Mazzaropi Jacinto
Doris Monteiro Ermelinda
Modesto de Souza Juca Miranda
Adoniran Barbosa Salvador
Gilberto Chagas Alinor
João Silva Lisboa
Aidar Mar Clotilde
Paulo Saffioti Teotônio
Kleber Macedo Adalgiza
Nicolau Sala padre Simão
Salles de Alencar Abel Fragoso
José Nuzzo Tatu
Luiza de Oliveira Dona Hortênsia
Reinaldo Martini Paulo
Diná Machado tia Josefa
José Gomes tio José


Era em Santa Branca. No ano de 1955 em que Amácio Mazzaroppi filmava “A Carrocinha”, um de seus grandes sucessos. Ainda em preto e branco. O elenco ficou hospedado em Jacareí, no Hotel Máximo, mas uma parte ficou na casa da minha tia Eneida e da Pacheco que tinham aposentos amplos e confortáveis, para não atrasar muito as filmagens que se deram praticamente na pequena praça da cidade e em ruas próximas.
O filme conta a singela história de um menino cujo cão de estimação escapa da sua casa e fica perambulando pelas ruas até ser recolhido pelos homens de preto da aterrorizante carrocinha da Prefeitura. Cenas dolorosas e revoltantes se passam no enredo. Com muito custo o menino e seus amiguinhos conseguem libertar o pequeno cão e os outros que também tinham sido presos,o próprio condutor da carrocinha acaba se apaixonando por uma caipirinha que adorava cachorros. No final há uma revolta dos moradores que destroem e incendeiam o veículo. Final feliz com todos entoando:"Cai Sereno Cai" uma das preferidas canções de Mazzaroppi.
O meu tio Laércio era vereador na época e trabalhava na Fábrica de Fogos Caramuru. Numa das cenas aparecia conduzindo uma charrete. Nunca pretendeu ser ator mas acabou fazendo também uma ponta num outro filme – “Cara de Fogo”, com Alberto Ruschel, com cenas filmadas numa chácara.

Veja um trecho do Filme:


O filme “O Cangaceiro”, com este ator e mais a famosa atriz Vanja Orico, que acabou morando muitos anos na Europa, também teve sua famosa abertura feita no alto do banhado, em São José dos Campos, bem atrás onde hoje se situa a J&J, com a trilha inesquecível da música “Mulher Rendeira”. O filme acabou sendo premiado no Festival de Cannes, na França,no ano de 1954, se não me engano. Outro filme brasileiro premiado lá foi “ O Pagador de Promessas”, da obra de Dias Gomes, em 1961.
São referências cinematográficas quando os filmes eram feitos com muita dificuldade. De forma quase artesanal. Mas os resultados eram surpreendentes. Voltemos a Mazzaroppi.
Imaginem vocês o enorme privilégio que era para os moradores da pequena e adorável cidade participar das filmagens. Imaginem a alegria das crianças ver todos os dias o Mazzaroppi dirigindo e atuando. E elas mesmo participando das cenas externas do filme. Maior felicidade não poderia haver. Está tudo registrado no Museu deste famoso artista, lá em Taubaté. Além da Cia. Cinematográfica Vera Cruz havia a PAM – Produções Amacio Mazzaroppi, criada por ele, com muita coragem e pouco dinheiro. E é claro, muito amor.
Além do elenco, a cantora e atriz Dóris Monteiro encantava a todos. Ela participava do filme e, durante um jantar em homenagem aos moradores e aos artistas, cantou várias músicas de sucesso de seu repertório. Estava no auge de sua brilhante carreira de cantora. Dizem que foi uma noite inesquecível! O filme foi exibido em Jacareí, no Cine Rio Branco lotado, com a presença de Mazzaroppi.
Uma cena hilária ficou registrada na história das filmagens. Os meus primos, o saudoso Fernando e a Regina, calçando tamancos, crianças naqueles bons tempos, não entendiam nada de locações e gravações técnicas. Em pleno sol do meio dia, num forte calor de verão, lá vieram os dois chamarem os artistas para almoçarem. O elenco estava quase no final de uma cena. Alto e sonoro gritaram “Paiê, a mãe tá chamando todo mundo pra ‘armoçar’”. Mazzaroppi tinha uma notória paciência, além do humor característico. CORTA! Gritou. E todos caíram na gargalhada. Fernando e Regina voltaram correndo prá casa, vermelhos que nem dois pimentões!
Época de ouro de uma cidade, como relataram alguns moradores bem antigos. Que no ano seguinte , num enorme piquenique coletivo, despediram-se de muitas fazendas, chácaras e sítios; lugares de uma beleza e paz infinitas, que ficaram inundados com a construção de uma grande barragem. Uma festa com missa solene, banda de música,lencinhos abanando, foguetório e muitas lágrimas nos olhos. Era em Santa Branca. Famosa pelo seu clima ameno e pelos peixes pescados no rio Paraíba, de cima da Ponte Metálica construída no começo do século passado pelo engenheiro e escritor Euclides da Cunha, de “Os Sertões”.


REFLEXÕES:
NÃO TENHAMOS PRESSA, MAS NÃO PERCAMOS TEMPO.
José Saramago, 1922-2010.

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