quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

SE AQUELA BRASTEMP FALASSE!...

(Com saudades de Dercy Gonçalves. E bota saudades nisso!)



Eram três irmãs viúvas fogosas, na faixa dos 45 a 60 anos. Adalgisa(veterinária, quase foi miss Brasil em 1936), Ruthnéia ( bem aposentada pela CEF) e Lindonice (enfermeira também aposentada,mas da Aeronáutica). Nascidas no interior de Minas Gerais acabaram morando no Rio de Janeiro no final dos anos 40. Ficaram casadas mais ou menos uns 25 anos, despachando seus maridos desta para melhor, tendo já os filhos e filhas criados e os netos e netas também.

Por força da criação familiar nunca foram dadas a dramas muito sentimentais. A avó e a mãe delas eram “secas, não se abrindo muito diante de pessoas desconhecidas”. E quem sabe bem lá prá trás, algumas ancestrais que viveram entre o Sudeste e o Nordeste, no vai e vem das vidas passadas no “trem bão” e “paus de arara” deste país quente e colorido, também tivessem sido assim. “Tudo são águas passadas... morreu, morreu, fazer o que, minha filha!” Mais ou menos assim, como marca registrada. Não suportavam as falsas carolas, “destas que ficam enfiadas dentro das igrejas, mas na verdade estão atrás de fofocas, de disse me disse”, que também é tradição neste vasto país de Deus e o Diabo na terra do Sol”. Vai ver!

Choraram sim as perdas e danos da vida, mas como todos sabem ela continua sempre e esta é a principal lição que podemos tirar, desta estrada, às vezes reta, às vezes tortuosa, com momentos de extrema felicidade e outros, tristes e cheios de incertezas. Só não eram “viúvas alegres”, pois eram mais ou menos recatadas. Irônicas sim, não perdiam oportunidade para fazer comentários sobre a vida alheia, mas nada que ofendesse os princípios da boa vizinhança e da moral vigente. Só uma vez, Adalgisa pisou na bola com uma das filhas, numa festa de aniversário de 18 anos, quando um dos namorados se esforçava DEMAIS para lembrar quem eram seus pais,figuras conhecidas da alta sociedade do Rio, donos de uma emissora de Rádio e TV famosas. A filha quis morrer naquele dia, com a resposta dada ao rapaz pela mãe. “Não precisa se esforçar tanto não, meu filho, pois aqui até o presidente da República passa despercebido!” MAMÃAAEEEEE, só conseguiu dizer a filha, acabando de perder mais um partidão, pensando em namoro sério e casamento, essas coisas.”

As três viúvas gostavam também de algumas piadas meio que sórdidas para levarem a vida “numa boa”, conforme costumavam dizer em seus chavões hilários. Entre eles, o famoso “vai que é mole” ou “vê se não enfia o pé na Jaca, querida!”Costumavam lembrar as comédias de Dercy Gonçalves que tinham assistido no auge da Praça Tiradentes. Não riam muito na hora, pois estavam acompanhadas de seus distintos maridos, mas depois, entre quatro paredes, riam de se mixar. Os maridos, estes sim, podiam se escangalhar de rir nas poltronas do teatro Rival ou na Cinelândia, quando passava alguma chanchada da desbocada atriz, recentemente lembrada numa mini-série de TV baseada na biografia “Dercy de Cabo a Rabo”, da escritora Maria Adelaide Amaral.


Viúvas, Adalgisa,que morava num bom apartamento em Copacabana,herdado do marido um novo rico da época, Ruthnéia,que morava no Meyer e Lindonice, na Tijuca, marcavam encontro um sábado por mês à tarde para “bater perna no centro do Rio ou colocar as novidades em dia”, tranqüilas, passeando na Galeria Central e depois tomar um chope no Amarelinho ou um chá na Confeitaria Colombo, conforme o humor delas.

Era um Rio no ano de 1960, deixando de ser Capital Federal, de mudança para Brasília, no governo JK, o “presidente Bossa Nova”. Portanto uma “Cidade Maravilhosa” que mantinha ainda um pouco do conhecido charme carioca, embora muitas vezes, de dia faltasse água e de noite faltasse luz. “Imaginem vocês JK querendo governar 50 anos em 5, ele, tá é doido, esse homem!, não consegue botar ordem nem na casa dele”, comentavam.

Como tinham curso superior, entendiam e acompanhavam a política da época. E proferiam palavras abjetas se referindo aos políticos e suas ações corruptas no calor de uma discussão, no calor do verão carioca entre um chop e outro, no caso ( da Brahma é claro). Mas se fosse na Colombo mediam as palavras e só falavam de moda e dos “bonitões da tela”, de um ou outro filme da Atlântida ou da Metro em cartaz. Tomavam seu chá com discrição e elegância (propositalmente um pouco afetadas é claro!) com pitadas de ironia vendo tal e tal fulana ou fulano entrar.
Momentos inesquecíveis para elas que pareciam ter voltado à adolescência que tinha ficado longe, longe, lá por Conselheiro Lafayete, num dos muitos caminhos que levam a BH. E assim as horas iam passando até chegar o momento do mais lindo crepúsculo do mundo, na Praça Paris, hora de voltar para casa, de (ônibus, de táxi ou num trem da Central )

Relembrando tudo isso, já ia me esquecendo de falar da velha Brastemp (comprada a prazo nas Casas Garçon ). Enlouquecidas pelo calor de 40º, daquele ano, elas tinham ido à praia no Leblon e encontraram algumas amigas balzaqueanas como elas e que fazia tempo que não se viam. Imagine vocês o longo papo que tiveram recordando. Naturalmente uma olhando as pelancas e rugas da outra, mas sem comentários. Esqueceram até da hora.

E como uma das amigas era de Juiz de Fora, recordou o pai que era prefeito e Dercy Gonçalves estava na cidade numa de suas comédias pelo Brasil a fora. “Imaginem vocês, que um dos refletores resolveu cair bem no meio da cena. Dercy lascou um palavrão ( PQP é claro!), “Tem gente querendo me matar aqui, não é possível!” O teatro quase veio abaixo de tantas gargalhadas. “Meu pai prefeito, não sabia como se desculpar perante a atriz que disse depois” “Ora bolas deixa prá lá, to viva num to!

As duas irmãs viúvas, meio que empolgadas pelo reencontro ou pelos chops, desta vez no Bar Garota de Ipanema, passaram a noite no apartamento de Adalgisa, em Copacabana, que era mais perto. “Você não vai querer que eu pegue trem da Central prá voltar pro Meyer, agora, vai? Vamos que um tarado resolva me atacar, já pensou!”, disse Ruthnéia. “E nem eu, nem pensar de voltar prá Tijuca, na escuridão da noite, Vocês sabem, eu sou menina moça mineira, uai!”, afirmou Lindonice. (Risos, muitos, mas muitos risos ecoavam pelo poço do elevador naquele prédio na rua Barata Ribeiro, até chegar ao 10º. andar. Esbaforidas ligaram todos os ventiladores, abriram a porta da geladeira, sentaram na frente dela, para receber aquela brisa geladinha, geladinha.”Ah que alívio!”


E diziam em coro, “entra abençoadinha, entra,” levantando as saias. Mortas de calor, mas satisfeitíssimas da vida. “Homem, prá que homem, só serve prá encher o saco!” E riam a mais não poder.Até a bicha, artista plástico do 11º. andar veio ver o que estava acontecendo com suas amigas. Nossa!... Bateu na porta do apê. E foi recebido pelas três animadíssimas viúvas. Daí foi mais e mais risadas ainda. Pode!

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