quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
ROGER, UM ANJINHO DE PROCISSÃO- UMA HISTÓRIA.
Quando o conheci ele já era bem gordinho e qualquer esforço o deixava extenuado. Seu rosto bochechudo ficava ‘ROSINHA” e suado. Já era “nervosinho” e qualquer coisa o irritava profundamente. Tentava se misturar com os outros meninos da rua. Todos magrinhos. Mas, só com muita dificuldade conseguia manter um relacionamento mais ou menos estável, na base da camaradagem, do troca troca de guloseimas, brinquedos e joguinhos que era tradição entre as crianças fazendo a delícia de todos eles. Jogar bola, nem pensar.Foi acolhido por uma família simples, sem grandes posses e todos sabiam de sua origem.
Foi feito uma espécie de acordo, para que ele nunca soubesse de nada, sobre a condição em que veio ao mundo e nem cobrasse depois sobre sua história, a vida de seus pais verdadeiros que, a bem da verdade, eram sim, criaturas de Deus, sem culpa e nem tantos pecados, que não tinham dado certo na vida. É o mínimo que se pode dizer. Viviam todos naquela pequena cidade que recebeu o título de Patrimônio da Humanidade por sua representatividade histórica e religiosa no país.
O destino o encaminhou, como acontece com todos, para que ele sobrevivesse com dignidade. Com Roger, “anjinho de procissão”, no entanto, a vida foi de luta e muito esforço. Gordinho nasceu, gordo ficou.
Nas procissões daquela paróquia, era o “anjinho” que mais se destacava, no meio dos outros. Túnica azul claro e asinhas brancas, com as mãozinhas unidas em prece, todos diziam que ele já estava preparado para subir aos céus e ter uma conversinha singela com Deus Nosso Senhor que sabe das alegrias e amarguras de cada um de seus diletos filhos. Eram asinhas especialmente compradas por sua mãe numa daquelas tradicionais romarias ao Santuário de Aparecida.
Foram compradas, numa loja próxima da Basílica, num dia 12 de Outubro, muito movimentado, por ser o Dia da Padroeira do Brasil, veneradíssima pelos católicos praticantes, lá pelos seus cinco anos. O par perfeito de asinhas veio embrulhado em finíssimo papel de seda e, benzido por um conhecido cardeal arcebispo brasileiro, que tinha vivido muitos anos no Vaticano com o Papa João XXIII.
Todos tinham que ter muita, mas muita paciência com Roger. Ai de quem ousasse colocar as mãos em suas asinhas. “Não mexam nas minhas asinhas! Minha mãe comprou prá mim, só prá mim, em Aparecida, saiam, saiam todos de perto, fiquem bem longe de mim!”
E lá ia o pequenino e gordinho anjinho, der nariz empinado, deslizando solenemente e muito prazeirosamente pela comprida e interminável procissão cheia de santos e santas em seus emproados andores, em meio a fumaça dos perfumados incensos balançados pelos coroinhas, cercados pelas severas beatas e beatos e Irmãos do Santíssimo, pelas ladeiras daquela vetusta cidade histórica mineira, conhecida pelo sobe e desce de suas ladeiras venerandas.
Só uma vez, durante uma procissão, um anjinho moleque mal intencionado, colocou o pé na frente e lá foi Roger ao chão, quebrando uma das asinhas, causando muita risada nos outros. Vocês podem imaginar um anjinho gordinho enfurecido! Pois é, foi o primeiro e maior barraco de sua vida. Roger levantou-se e, mesmo chorando muito, com raiva, deu um violento tabefe no anjo provocador e foi só peninha branca que voou para todos os lados. Um verdadeiro escândalo abafado com muito custo pelas zelosas beatas.
O Monsenhor daquela época vendo o tumulto armado na ala dos anjinhos, quase parou a procissão para ver o que tinha acontecido. Foi um fuá brabo, daqueles, mesmo em se tratando de anjos. Depois deste acontecimento Roger começou a perceber que realmente jamais iria para o céu, conforme queria sua mãe.
Na sala de aula, a professora perguntava –“O que é Rosinha, por que você está tão calado hoje, meu menino, cadê aquela alegria que você sempre estampa!?” Roger preferia não responder. Mas, com certeza, muitos dilemas e dúvidas já passavam no íntimo de sua mente, em sua personalidade em formação. Ficava assim, caidaço, quando percebia as brigas familiares em casa.
Percebia o esforço de sua mãe para criar todos os filhos igualmente. E ele, como ficava nesses momentos? Por que era tão diferente dos outros? Não deixava passar em brancas nuvens nenhuma ofensa ou ironia à sua pessoa.
E sofria, quieto, deixando algumas lágrimas correrem soltas. E pensava – Porque as pessoas não me deixam ser bom? Porque tenho de cobrar tanto para sobreviver, como se tivesse que matar dois leões por dia e ainda era pouco? Acham que eu não tenho sonhos? Carinho? Percebia que recebia dobrado da mãe, como se ela quisesse protegê-lo das amarguras do mundo. Quanto aos outros, a indiferença se impunha, muitas vezes.
Mãe e filho num canto, no silêncio da casa vazia e os doces e sábios conselhos daquela mulher vivida e sofrida no cotidiano rude de uma cidade do interior das Minas Gerais. Só ela sabia e como sabia!? Daí, Roger, na sua passagem para a adolescência, ia se acalmando e retomando o fio de prumo de sua vida. E tudo passava. Como a vida ia passando.
Sempre muito gordo, decidiu, depois de muita reflexão sobre a existência, não freqüentar muito a igreja. Ia de vez em quando em busca de paz. Meditação. Era isso que o deixava mais descontraído quando a barra pesava.Tinha lá seus divertimentos e não perdeu nunca a alegria de viver,apesar de... Se empenhava muito e fazia o diferencial entre os empregados das lojas em que trabalhou Era estimado pelos patrões. Em especial por um com quem aprendeu o fino trato e o grande valor da amizade. De igual para igual.
E foi assim que terminou os estudos básicos e cursou uma faculdade. Se orgulha de ter ensino superior num país onde pobres ou de classe média baixa quase nunca chegavam a isso. Foi lendo muito e convivendo com seus professores que pegou gosto pela cultural geral. Adora carnaval. Vemos agora Roger numa grande cidade do Vale do Paraíba, como carnavalesco de uma tradicional Escola de Samba que sairá neste carnaval com o tema de um show de transformistas – As Cantoras do Rádio –
Tem orgulho de dizer que pagou parte da Faculdade em Taubaté, com o dinheiro que ganhou divertindo as pessoas num grupo de “Negas Malucas”, aos fins de semana, num famoso clube da cidade. Também formado em Pedagogia já é efetivo numa escola estadual e exerceu o cargo de Orientador Pedagógico. A vida o fez inteligente e esperto, podemos dizer assim.
É excelente profissional. Continua brigando pelo seu espaço. Tem idéias próprias e muitas vezes entra em choque com as pessoas em sua profissão quando cisma que elas o querem passar prá trás. E não deixa. Nunca deixará. Como Jô Soares, em seu famoso bordão - Ame um gordo antes que acabe –assim Roger chega aos 40 anos de sua plenitude espiritual.
Chorou desconsoladamente em cima do túmulo onde, morta, fui enterrada. Como mãe deste amado filho que adotei ainda bebê, percebi, senti bastante e do lado de cá onde estou, quero que saiba que sempre acompanharei seus passos.Nunca o abandonarei como fez a sua mãe biológica que seguiu seu rumo na vida e nunca mais foi vista.
Com muito carinho te vejo sempre. Principalmente nas madrugadas de sua vasta solidão. Em seu quarto, procurando na Internet alguém para conversar ou nas ruas solitárias em sua busca constante por um mundo mais sensível e mais tolerante com todos. Alguém que queira entender o que se passa na cabeça de uma pessoa gorda.
(DEDICO ESTA HISTÓRIA PARA TODAS AS PESSOAS QUE SOFREM DE OBESIDADE NESTE PAÍS QUE BRIGAM PELA SUA AUTO ESTIMA MUITAS VEZES DERRUBADA POR CAUSA DO ENORME PRECONCEITO QUE AINDA EXISTE)
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Amei meu querido amigo....só uma pessoa iluminada e talentosa para ter toda essa magnitude. Obrigado de coração...estou muito FELIZ por poder ser tema inspirador à vc um apaixonado por historias.\\\Beijo grande !!!
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