terça-feira, 14 de agosto de 2012

"A SOPA".


Durante muitos anos os moradores de Rua de São Paulo (Sem Teto) foram os únicos, talvez, a ter acesso àquela sopa altamente nutritiva preparada pelas mãos carinhosas e caridosas da irmã Carolina e sua dedicada equipe de freiras do Convento das Carmelitas. Sopas e caldos, em pequenas tigelas, capazes, como se diz no popular, “de levantar defunto.” Uma refeição, talvez a única do dia para muitos, que criava uma sensação de bem estar e aconchego.


Nem a idade já avançada a impedia de preparar em vários caldeirões, aquela refeição, que, nas noites frias da capital, chegava, como uma espécie de milagre, nos baixios das pontes e viadutos, aos famintos.
Principalmente para aquelas levas de pessoas desgarradas de suas raízes (muitos migrantes nordestinos e de outras regiões em busca de uma vida melhor) e que viviam como andarilhos pelas ruas, avenidas e praças da capital, sem ter ainda abrigos permanentes para morar, numa época em que a cidade comemorava o seu 4º. Centenário, no ano de 1954.
Eram conhecidos como “andantes” e “pedintes”, vivendo da solidariedade de pessoas anônimas. Albergues, os poucos que existiam, viviam lotados de pobres já naquela época.
A tarefa era feita também por fiéis voluntários, católicos ou não, que se tornaram conhecidos pelo discreto, mas sólido e constante, amor ao próximo.
A vocação para uma vida religiosa começou a ser sentida por Carolina ainda quando criança e se acentuou na adolescência. De família alemã, imigrantes da Bavária, seus pais chegaram ao Brasil e, de início, se instalaram no interior de Santa Catarina. A jovem Carolina aprendeu, com sua avó e com sua mãe a preparar caldos e sopas que eram distribuídas entre os integrantes da pequena colônia local. Mas também aprendeu a fazer outras receitas. Doces, bolos, tortas e salgados que conquistaram fama aos poucos. Já naquela época o Livro de Receitas de Dona Benta, também era conhecido em todos os lares e ajudava muito, em todas as cozinhas do Brasil afora.
No Convento, depois das missas e rezas, às 6 horas da tarde, as noviças e as freiras, não viam a hora de saborear a vigorosa sopa da Irmã Carolina, elogiada também pelos padres e coroinhas. Verduras e legumes, macarrão e as carnes, geralmente pedaços de músculo bovino, chegavam ao convento pelos doadores anônimos comerciantes que faziam questão absoluta disso.
A sopa de fubá, com ovos, couve rasgada e carne moída, com pitadas de pimenta do Reino era uma das preferidas de todos. “De se tomar rezando, de joelhos”, comentavam pessoas, não tão carentes assim, que se enfiavam, furtivamente, nas filas, para ter o raro privilégio de tomar um pouco da sopa.
Depois de certo tempo de observação, a equipe da Irmã Carolina, teve de tomar uma drástica providência: selecionar e distribuir senhas, avisando com firmeza que “as sopas são só para os muito carentes, por favor”. Fazia isso, é claro, com um pouco de dor no coração.
O sucesso da providencial distribuição de sopas aos carentes aumentou, no decorrer dos anos, a ponto de alguns chefes de cozinha recorrer ao convento para pegar as receitas e fazer fama em restaurantes chiques. Servidas com nacos de pão italiano. Sopa da Irmã Carolina, aparecia, discretamente, nos cardápios. Chique no “úrtimo”,não?!



O caldo de ervilhas com bacon parecia ter sido feito com mãos de anjos, pois as pessoas exclamavam “É da cozinha do céu, é de Deus”, de tão suave e revigorante que era. A sopa de abobrinha, com cubinhos de queijo e azeite, imaginem!, no frio das noites e madrugadas, tinha o dom de criar uma atmosfera de calor, satisfação e felicidade.Uma noite, uma dama da sociedade, parou, poderosa que era, com seu Cadilac, envolta num enorme casaco de pele, embaixo do Viaduto do Chá. “Quem é a Irmã Carolina?!
Alguns jornalistas da Folha de SP e da TV Excelsior, que estavam fazendo reportagem especial sobre a sopa da Irmã Carolina, comentaram: “Pronto, é agora que vai prendê-la por ser comunista!”Coisa, sem dúvida, que ela não era, naquele ano cruel de 1968, de perseguições,cassações, prisões e exílios políticos. Irmã Carolina, ao ser ordenada, tinha feito, isso sim, votos de pobreza absoluta. Apresentou-se, naturalmente, sem medo algum.
“Sou eu, em que posso serví –la, minha senhora.” Ah! Então é a senhora a famosa freira da sopa que todos estão comentando por aí ! Irmã Carolina tinha uma modéstia inigualável, mas era firme, não tinha medo de nada, nem dos poderosos, assim conhecidos. Pelo contrário todos a respeitavam.
E seus muitos conselhos, falavam diretamente ao coração e a mente das pessoas que, comovidas e consoladas em suas aflições e angústias, começavam a praticar orações e meditações, lembrando que “do pó viemos, ao pó voltaremos” e só subiremos aos céus pela infinita graça de Deus. E, sem sombra de dúvidas as sopas da Irmã Carolina,como uma espécie de milagre, colaboravam em muito nessa possível ascensão.
Resumindo a história, aquela dama rica queria mesmo era conhecer a irmã e provar de sua sopa maravilhosa, que, depois de algumas colheradas, revirava os olhos e exclamava Hum! que bela e deliciosa sopa, parabéns irmã Carolina, nunca provei iguaria tão gostosa! Naturalmente ficou muito amiga de Irmã Carolina. As polpudas doações daquela senhora (em dinheiro e produtos) ajudaram muito, mas a amizade ficou acima de tudo. Com muita sabedoria Irmã Carolina sabia deixar as coisas em seu devido lugar.

A irmã sentiu-se consagrada naquela noite inesquecível, mas não perdeu a modéstia. Só relembrou sua adolescência, num flash da memória, a horta da colônia, onde, enfiando a mão na estimulante terra preta, colhia cenouras, batatas, inhames e outras verduras e legumes e o fogão a lenha da pequena casa onde morava com seus pais e cozinhava as suas sopas, que, ao longo de sua vida de religiosa, distribuía aos pobres e aos não pobres, igualmente, sem distinção de classe social.

Sopas encantadas, vitaminadas, verdadeiras lições de vida e de humildade, para todos que serviam e recebiam naquelas noites geladas, de garoa paulistana, onde parecia que o frio penetrava até nos ossos. Sopas que aqueciam o corpo e a alma.

A Prefeitura de SP adotou a iniciativa e até hoje as sopas da Irmã Carolina são compartilhadas como um inesperado luxo, nas noites frias, nos acolhedores abrigos. Sopas (segredos culinários de família) como a de agrião com azeite de tomate seco, sopa completa de mandioca, de maçã, gengibre e mandioquinha, sopa de abobrinha com farinha de peixe, de macarrão Ave Maria com lingüiça e beterraba e outras dignas dos mais famosos gastrônomos e restaurantes desta Terra de Nosso Senhor.

No céu, Irmã Carolina, com certeza, continua sua obra, distribuindo suas generosas sopas aos anjos da Guarda de todos nós. AMÉM!!!


SOPA COMPLETA DE MANDIOCA.

1 colher de sopa de óleo, uma cebola picada, 250 gramas de músculo em cubos pequenos, meio quilo de mandioca sem casca, cortada em pedaços pequenos, uma cenoura grande em rodelas, 3 tabletes de caldo de carne, 2 xícaras de (chá) de escarola picada ( ou agrião), 2 colheres (de sopa) de cebolinha verde picada.
MODO DE PREPARO

Em uma panela de pressão, aqueça o óleo, refogue a cebola. Junte os pedaços de carne e refogue por 10 minutos. Acrescente a mandioca, a cenoura, dois litros de água quente e os tabletes de caldo. Misture bem, tampe a panela e cozinhe por cerca de 30 minutos após pegar pressão ou até que a carne fique mais macia. Desligue o fogo, espere sair toda a pressão, abra a panela e bata metade da sopa no liquidificador. Volte a sopa batida à panela, junte a escarola (ou agrião), misture com a sopa restante. Aqueça por cerca de 5 minutos ou até ferver. Sirva polvilhada com a cebolinha. Rendimento: 10 porções.



NÃO SE ESQUEÇAM DE AGRADECER A IRMÃ CAROLINA!!!

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