domingo, 27 de novembro de 2011

O CASARÃO


Guarda uma história aquele casarão caindo aos pedaços...

Naquele bairro de classe média baixa, os moradores quase nunca olhavam com mais curiosidade, aquele casarão de tijolinhos marrons, tipo chalé suíço, com seis portas, seis sacadas com janelas brancas, um grande mirante e até um sótão onde pombos e pombas faziam seu ninho de amor.

Algumas pessoas diziam que ele estava ficando mal assombrado, pois juravam ter visto nas noites de lua cheia, o vulto branco de sua antiga dona, que ali vivera sozinha, escondida das maldades do mundo e da inveja de todos. Heléne era holandesa, mas morou muitos anos na França, antes de Paris ser ocupada pelos alemães nazistas. Integrava o elenco do famoso show internacional do Holliday On Ice, entre 1937 e 1942

Depois de uma apresentação em Cannes, no sul da França, conseguiu fugir, de barco, pelo Mediterrâneo, para Portugal, escondida, com parte do elenco e várias outras pessoas, ajudadas, em Lisboa, pelo embaixador brasileiro e depois Senador Dantas, para chegar ao Brasil. Foi uma fuga desesperada e cheia de riscos, com passaportes falsificados, envolvendo membros da Resistência francesa, que ajudavam na fuga e desconfiados colaboracionistas do regime de Hitler.


No alto da grande lareira, só acessa no inverno e mesmo assim nos dias mais frios, no enorme salão agora vazio, coberto de pó e teias de aranha, ficavam os retratos da sua juventude atestando sua grande beleza nórdica e fina educação em Colégio na Suíça. No Brasil, em Manaus, conheceu, namorou e se casou com Abel, um engenheiro civil de Rondônia, que tinha trabalhado, com americanos, na Fordlândia.

A cidadela, que explorava a borracha, já estava entrando em decadência, mas ainda rendia lucros para a família de Henry Ford, idealizador do empreendimento em plena Amazônia, no começo do século XX, quando Manaus passou a ser conhecida como “A Paris dos Trópicos”. A ferrovia Madeira – Mamoré, também já se despedia de sua época de glórias e boa parte dela ficou abandonada.

Durante as madrugadas que anunciava tempestade, a ventania também parecia sussurrar o nome de Heléne pelas laterais do imponente prédio que levou vários anos a ser construído, pelo casal, com muito empenho, dedicação e amor na pequena vila de São Bento do Sapucaí, entre l949 e 1952. O casarão tinha privilegiada vista para a Pedra do Baú, em Campos do Jordão. Pelos arredores da cidade o casal fazia longas caminhadas, sob o sol de inverno. Prática salutar continuada, anos depois, pelos quatro filhos: Henry, Abelardo, Helena e Hebe. Anos da mais intensa felicidade. Uma família brasileira verdadeira.

Os pais de Heléne conseguiram chegar aos Estados Unidos e, depois de alguns anos, ao Brasil, vivendo no casarão por vários anos e, mais tarde, no Sul, em Joinville. Não tiveram, porém, a mesma sorte, seus avós, vítimas do Nazismo, nos campos de concentração. O mesmo acontecendo com vários parentes dela que moravam na Iugoslávia.
O casarão, tão mal compreendido pelos moradores, “praquê essa imponência toda!”, diziam os invejosos, tinha histórias e mistérios. Mesmo se dedicando à filantropia, na pequena cidade, ajudando asilos e albergues. Heléne começou a se sentir muito só, surpreendida que foi, pela traição do marido que a trocou, assim sem mais nem menos, por uma ambiciosa jovem atriz carioca das chanchadas da Cinedistri, vinte anos mais nova que ela, numa de suas viagens ao Rio, a negócios. A partir de tristes acontecimentos, como este, o casarão começou a definhar, morrendo aos poucos...

Algumas pessoas que a conheceram atestam sua lealdade e ética, pois as ruas de dois grandes bairros da cidade receberam, por sugestão dela, junto à Câmara de Vereadores, nomes de países europeus e de estados brasileiros e norte americanos. Era a forma que Heléne encontrou para homenagear suas origens européias, a América e o Brasil que a acolhera e a seus pais.

Nunca de conformou com a traição do ex- marido que, anos mais tarde morreria de câncer da próstata. Sua solidão ficou mais agravada ainda com a morte de sua filha Hebe, num grave acidente de carro em São Paulo. Uma de suas netas ficou paraplégica.

Só e desamparada, com a idade já meio avançada, Heléne, balbuciando palavras em português, holandês e francês e incapaz de entender a origem daquela inveja de pessoas que ela realmente estimava ou simplesmente gostava por uma questão de civilidade, fechou para sempre aquele casarão, guardando a sete chaves, a sua memória e começou a vagar pelas ruas da cidade. “Lá vai a louca do casarão!”, comentavam, sem piedade, as pessoas.

Uma madrugada, portas e janelas do casarão abandonado, misteriosamente se abriram, com uma estranha ventania que assustou os moradores das ruas próximas. “Credo!” diziam os supersticiosos, mais alarmados, no escuro de suas casas, olhando pelas frestas.

Todas as luzes estavam acesas e, no salão principal, parecia estar acontecendo um grande baile, com uma valsa sobrenatural, jamais ouvida pelas pessoas. Muita alegria circulava no interior do prédio. Vozes e tilintar de taças. E, no alto, o que parecia ser uma grande pista de patinação no gelo, onde uma fantástica Heléne exibia airosamente todo seu talento de dançarina.

No dia seguinte e por semanas a fio foi grande o comentário no bairro. “O que teria acontecido naquela estranha noite, no velho casarão abandonado?!...”

Heléne nunca mais foi vista...

Nenhum comentário:

Postar um comentário