segunda-feira, 8 de abril de 2013

A OUTRA FLEUR DO CARIBE






Base Aérea de Natal – Rio Grande do Norte – 7 de setembro de 1943



“O que esta carioca metida à besta está fazendo aqui se nem mulher de oficial ela é!” Anabela realmente não tinha sido mulher de oficial da Aeronáutica, mas fazia jus ao nome. Era linda de doer. O que causava muita inveja e ciúme nas imponentes mulheres bem ou mal casadas com militares das mais altas patentes, em cima do palanque com seus vestidos brancos ou coloridos, luvas e orquídeas no decote. Tudo bem tropical.

Era viúva de um reles, mas esforçado 1º.sargento, mulato sarará atlético e de grandes olhos verde – mar, que tinha, infelizmente, morrido numa epidemia de tifo em Recife ao beber, desprevenido, água contaminada de uma cacimba, ao lado de uma pista de pouso do recém inaugurado Aeroporto de Guararapes.

O fato é que Ana ficou viúva aos 26 anos e com um único filho de cinco anos para criar. E lá estava ela, elegantérrima, ao lado do palanque oficial jogando os cabelos louros ao vento, com óculos escuros Ray- Ban, por causa do sol, nesta terra de Deus e o Diabo, rodeada de militares, que, querendo chamar sua atenção, agradavam e pegavam o garoto no colo, com sua roupa de marinheiro.

Ela sabia, entretanto, da infidelidade do falecido. Por ser também belo, musculoso e atencioso com as mulheres, vivia de namoricos com várias mulheres de oficiais, traçando mesmo algumas delas, na ausência dos maridos, em missões aéreas na costa do Atlântico Sul, com a Marinha de Guerra, perseguindo submarinos (alemães?) que bombardeavam navios brasileiros até o Rio de Janeiro.

Ana gozava de grande popularidade entre os soldados e os oficiais, não só por ser viúva jovem e bonita, mas porque era sagaz, moderna, inteligente e estava sempre de bom humor, apesar da “guerra particular que enfrentava com algumas cunhadas que viviam aporrinhando sua cabeça, jogando na cara dela “esta branca que roubou e matou nosso irmão, um dia ela me paga”, frisava Bil, uma solteirona horrorosa, mal humorada e mal amada.

“Vamos lá rapaziada, estamos em guerra, mas não podemos desanimar”, era o seu bordão. Chegava e iluminava a base aérea com seu enorme sorriso, de alvíssimos dentes. “Ana está por aí!”, corria a notícia. Já dirigia carro numa época em que isto ainda era incomum entre as mulheres. Rivalizava com alguns soldados na direção dos jipes, subindo e descendo as dunas de Ponta Negra.

E não recusava, boa de copo que era (sem perder a noção, sabendo distinguir muito bem o que era um ameno bate papo, uma cantada ou um assédio mais ousado e apaixonado), uma latinha de cerveja americana Buddweiser bem gelada, (é... já tinha naquela época!), um Caju Amigo (Suco de Caju, Vodka, açúcar e gelo à vontade) ou uma Cuba Libre ( Gim, Coca Cola, limão e gelo picado), que naquele calor dos Trópicos, era um drinque (drink) hiper, super, mega, plus, delicioso e refrescante, animando a folga dos militares, no bar da Base, onde, nas folgas, discutiam de tudo: mulheres, filmes de Hollywood,música nova a política de Getúlio Vargas ou a beleza das praias, entre elas a de Cabo Branco, em João Pessoa, na Paraíba.

Ou então dançavam, meio desengonçados, qualquer ritmo quente: samba, salsa, frevo, rumba suingue, merenque, bolero, tango, qualquer um deles sem pecado abaixo do Equador.Estavam livres, por algumas horas.

Livre, liberada, era como Ana se sentia. Mas dizia que não estava mais afim de homem nenhum. Por isso dirigir e voar eram um de seus prazeres prediletos. E, é claro, cuidar e muito bem do filhinho. Ninguém podia comentar nada. Mantinha a posição de “senhora”. Consciente dos preconceitos e do machismo exacerbado, nunca, pelo que se saiba, tinha traído o falecido.Ele,contudo, porém, todavia...

Só Noronha, um jovem cunhado, era caído de amores pela cunhada. Só caído, nada mais, apesar de sua ousadia de adolescente nordestino. Diziam que ele vivia se satisfazendo com as cabras pois era priápico e as mulheres só não conseguiam satisfazer seu apetite sexual. “Você é muito guloso, sai prá lá, seu cabra da peste!”, brincava Ana, já familiarizada com o linguajar local, desfazendo, com todo respeito, qualquer arremedo de assédio sexual.



Os que estavam a fim de um porre mesmo bebiam logo Gin pura ou com Água Tônica ou Guaraná Jesus com doses de Steinhager ou ainda, de preferência, água de coco, que nunca faltava, com doses de uísque, um luxo a mais, mesmo em época de guerra ou por isso mesmo, porque militar quando bebe parte logo prá besteira, isto é antológico, porque a faina diária e a obediência cega aos comandantes chega a levar muitos ao estresse e a deprê. Prá aliviar só mesmo enchendo a cara. A ressaca?! Sal de Frutas ou chá de Boldo ou também uma injeção de Glucoenergan, que ainda não era proibido. E pronto.

A fama de Ana, chegou mesmo até Getúlio Vargas e o presidente americano Roosevelt, naquele 7 de Setembro, durante sua visita a Natal. Quando a comitiva passou de jipe,

Ana, brincando, apontou o veículo – “Olá seu Gegê já andei muito neste jipe.” O presidente brasileiro sorriu, segurando o tradicional charuto. Ao acenar para ela, Roosevelt, mulherengo que era, perguntou, em inglês, quem era aquela pequena.Um oficial cochichou ao ouvido de Getúlio – “É Ana, uma viúva de militar, uma espécie de mascote ou ícone de boa sorte da Base de Natal.”



Depois do cerimonial, no final daquela bela tarde de verão quentíssimo, lá estavam todos no bar da base. E Getúlio, como todo bom gaúcho, num certo momento, quase saiu no tapa com Roosevelt, os dois disputando estar ao lado de Ana. Eflúvios etílicos, digamos assim, sem maiores conseqüências. Coisas de homem querendo encantar as mulheres.

Ficou na história local, a enorme bebedeira e farra que atravessou a madrugada e só terminou no dia seguinte, quando o sol brindou a todos com uma inesquecível aurora meridiana, repleta de cores. Difícil pensar, naquele setembro de 1943, que o mundo estava em guerra. Pelo menos naquela linda parte do Brasil.



A vida de Ana muda agora completamente. Em janeiro de 1944, vindo da casa da famosa modista Odete conhecida na baixa e na alta sociedade local, onde fora apanhar um vestido novo, estava passeando entre as pontes de Recife, tomando um sorvete de cajá, distraída, bateu de frente com um jovem. Depois das desculpas, rapidamente aceitas, vieram as apresentações. Ana, Brennand, Brennand,Ana.



E rolou um papo. Ficou sabendo que o jovem era artista plástico e herdeiro de uma das mais tradicionais famílias do Recife Velho. Puro encantamento, lá ia o jovem, todos os dias e noites atrás de Ana em Olinda, onde ainda vivia na casa de parentes de seu marido Engataram um namoro. E muitos almoços e jantares no Restaurante Buraco de Otilia, um dos melhores do Nordeste.

O casal mudou-se para a Europa, onde viveram felizes durante três anos. O filho de Ana foi levado de volta ao Rio, passando a morar com seus avós maternos, com todo carinho e conforto. A guerra recém terminada deixou cicatrizes espalhadas por várias cidades. Mas Paris sobreviveu a esta catástrofe mundial. E não perdeu seu encanto.

O que perdeu o encanto foi o encontro do casal. Brenno, depois de algumas exposições de suas esculturas, voltou para Recife, um pouco desiludido com sua vida e arte. Na Cidade Eterna – Roma _ Ana ficou morando, já como famosa modelo da Maison Dior, na França. Uma bela modelo latina, admirada por todos na alta costura. Em 1952, ao desfilar no Copacabana Palace, teve oportunidade de rever o filho, agora com 12 anos.

E já vinha acompanhada pelo Conde Klaus,da Baviera, bilionário no ramo de Cristais. Viveram muitos anos, felizes, os três, numa mansão - recanto paradisíaco da natureza, na Mata Atlântica- entre Ubatuba e Paraty, comprado do falecido estilista Clodvis Calado, cuja irmã Dalas, também modelo conhecida nos anos 70/80, mora no Japão até hoje. Ana dedicou- se a órfãos de militares pobres e deficientes acolhendo sua mães, a quem ela chamava carinhosamente de “minhas comadres.” Vó Ana, como ficou conhecida,por sua gentileza e extrema bondade, morreu, sempre estimada por todos,há quinze anos.

E morreu pobre. Ela e Klaus doaram tudo, em vida, para diversas entidades filantrópicas. Costumava dizer a todos e as famílias de caiçaras que conhecera em Trindade : “Me basta apenas este paraíso, aqui estou sempre PERTO DO MAR, PERTO DE DEUS.

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