quinta-feira, 11 de abril de 2013

UM CACHORRO CHAMADO BATE VOLTA



A mão forte do atracador portuário me ajudou a subir na balsa, porque o mar, naquela tarde nublada de verão, com forte ventania, prometendo chuva, estava mais agitado do que o normal. Muitos turistas e moradores vindos de Ilhabela ocuparam os acentos disponíveis nas laterais, enquanto bicicletas, motos, carros, bugs e pick ups, entravam e se posicionavam no centro para descerem rapidamente no cais de São Sebastião. Percebi o cuidado profissional que ele tinha com as pessoas, principalmente crianças e idosos, alertando sobre o mau tempo e o balanço das ondas.
Foi aí que pude ver um cachorro, o mesmo da ida para Ilhabela. Percebendo minha curiosidade o atracador disse “Ah! Esse aí é o Bate Volta, vai e vem com as balsas o dia todo e já estamos acostumados” Com um olhar distante parecia admirar, como os turistas, o mar, os luxuosos iates e lanchas, os grandes petroleiros ancorados e a maior e mais bela ilha do Atlântico Sul se distanciando aos poucos.
Bate Volta, nome original para um cachorro comum, de um amarelo desbotado, acostumado a receber afagos de todos e   abanar o rabo com satisfação. Não estava sujo com os cachorros de rua, abandonados. Engolia rapidamente pedaços de pão e biscoitos jogados pelas pessoas. Acho que assim ficava se alimentando o dia todo. Navegante solitário,poderia ter sido um pirata do Caribe ou bucaneiro dos Sete Mares em vidas passadas?! E Agora estava ali, já há alguns anos, cumprindo parte de seu destino nesta vida.
Solidária, um pouco temerosa com a travessia, uma jovem professora sentou-se ao meu lado e acariciou o cão que se acomodou aos nossos pés. “Tenho em casa, praia do Engenho D’Água, dois cães de raça Labrador e dois Vira Latas que convivem numa boa. Eu e meu Mario Cláudio nos acostumamos a criar cachorros e agora a nossa vida é assim. Levamos eles uma vez por semana a brincar na praia e se divertem nadando. È uma alegria vê-los assim. As pessoas não deviam maltratar e nem abandonar seus animais, pois  eles têm enorme admiração pelos seus donos e sofrem com isso, se pudessem sentir seu coraçãozinho.”
Com Bate Volta, que vai ficar sempre na minha memória, também deve ser assim. Ficou amigo dos atracadores do DERSA e dos turistas e moradores das duas cidades. Nunca vai estar só, creio, pois é um cão de bom coração e de bem com a vida.O refúgio de Bate Volta, conforme explicou o atracador é no Condominio dos Franciscanos, na Praia Deserta.
Ele sabe se defender e deve ter espalhado muitos filhotes por aí. Desejo que tenham sido acolhidos por pessoas de boa  índole, como a jovem professora e seu marido que escolheram Ilhabela como refúgio. Bate Volta decidiu ficar perambulando nas balsas. Um cão filósofo, diferente, como mostram alguns filmes que deixam as pessoas comovidas, até as lágrimas, saindo dos cinemas.
Tenho uma amiga, Cecília, que cria 16 cachorros e cachorras num amplo quintal. Uma outra, que mora sozinha, não se importa de ter que limpar todo dia coco e xixi de seus 4 cães. Quando ela chega em casa, depois do trabalho, é sempre uma festa. A casa parece estar sempre iluminada, bem guardada e em paz.
 
  

Fiquei olhando a outra balsa se distanciar levando Bate Volta em sua viagem cotidiana.  No seu vai e vem o dia todo. Algumas vezes fica nadando com os meninos pobres que se jogam das pedras na água, como único divertimento. Fiquei pensando também que as pessoas deveriam ser como aquele atracador que, com sua força, agilidade e habilidade, desembarca os passageiros deixando-os seguir seus caminhos sãos e salvos. As estradas desta vida, muitas vezes, têm trechos ingratos.
Se pudesse entender, o que Bate Volta teria a dizer ao ver a enorme faixa de protesto “Porto Não”, colocado por ambientalistas contrários à ampliação do porto de São Sebastião, num paredão da ilha, para que todos possam ver.
E o que ele estaria sentindo, esta semana, com o devastador estrago causado nas praias do Litoral Norte por um vazamento de óleo motivado pelo defeito na válvula de um navio atracado no porto de São Sebastião?Vários cães, seus amigos, que moram em baixo do cais ficaram todos sujos de óleo, coitados, um horror, pois entraram na água desprevenidos.
O óleo prejudicou também o ganha pão dos pobres pescadores que vão quase ao alto mar para trazer os melhores peixes à nossa mesa.  Há mais de dez anos não acontecia um desastre ecológico desse porte.
Com certeza Bate Volta regressou cabisbaixo ao seu refúgio na portaria do Condomínio dos Franciscanos, onde depois de uma tigela de sopa quentinha, dada pelo Frei Lázaro, dorme, mas vigia o sono dos religiosos ali instalados. Com todo o seu afeto de cão. Um cão chamado Bate Volta. Uma gratificante lição de ternura. Uma a mais, dando força à nossa jornada neste mundo.

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