Passados muitos anos, Júlia olhava os píncaros nevados dos Andes, sentada na varanda de seu pequeno chalé em Viña Del Mar,no Chile. Refletia e, espiritualista confessa, pedia a Deus que mantivesse nela pelo menos a sensibilidade de conservar em seu coração e em sua memória lembranças de uma vida dedicada à família, às palavras, às sensações. Pensava num mundo senão perfeito, quase. Com pessoas boas, dedicadas a ajudar umas às outras. Uma fraternidade mundial. Por isso se inspirava naquelas alturas divinas.
Viúva agora, os filhos estavam todos encaminhados morando em várias partes do mundo, profissionalmente realizados. O bom para Júlia, agora aos 70 anos é que eles a deixavam em paz. Quizessem se comunicar estavam ali o celular, a Internet. O carinho, o amor maternal e filial entre eles estavam intatos. Assim como os dias, cada um vivia seu destino cotidiano. Seja em Santiago, em Lisboa, Nova Iorque, na Bahia ou até em Xangai.
A primeira vez que transpôs aquelas alturas foi quase aos 20 anos. Decidiu estudar Sociologia na USP, em São Paulo. A capital paulista fervilhava. Muita gente queria viver aqui ou no Rio, onde a efervescência política e cultural acontecia, transformando corações e mentes. Mas, sabe –se lá por que razão ou motivo acabou indo morar na Bahia, em Salvador, no bairro do Rio Vermelho, bem próximo da casa do escritor Jorge Amado, famoso por seus romances e pela fama de receber intelectuais do mundo todo.
Conheceu, entre outros, Pierre Verger,o francês, assim, assim, de passar, passando pelo Terreiro de Jesus a caminho do Pelourinho, com vários livros de sociologia debaixo do braço e na sacola hippie colorida que tinha ganho do artista plástico Carybé, argentino-baiano. Nem é preciso dizer que Júlia fotografou com ele vários locais na Bahia de Todos os Santos. Sentia-se uma baiana verdadeiramente. Uma guardou com muito carinho: com a mãe Menininha de Gantois, que já morreu faz tempo. Ganhou fama de boa fotógrafa com ele. Em vários livros de Sociologia e Antropologia que escreveu, aparecem ele, mãe Menininha e vários músicos conhecidos até hoje: Gal, Caetano, Gil...
Júlia caiu de amores pela Bahia, viajou muito pelo nordeste, litoral e interior. E foi construindo sua identidade planetária. Como estudava muito, até os 30 anos não se fixou em ninguém em especial. Namoricos sem grandes consequências. Amava Sociologia e Antropologia. Foi uma vida de estudos, mestrado e doutorado. Até altas horas lia, pesquisava, trancada no seu quarto, no alto de um casarão antigo. Muitas vezes via o sol nascer no Recôncavo, com os saveiros indo e vindo dos Engenhos. Mesmo em suas viagens pelos EUA, Europa e Oriente, nunca tinha encontrado ninguém muito especial. Foi só por pouco tempo que ficou com Mateus,num quibutz, em Israel, encantada mais pela sua lucidez política e inteligência.
Foi comendo um apimentado acarajé no Mercado Modelo que Júlia esbarrou em Josué, estudante do último ano de Direito, cuja família morava no Vale do Paraíba, em São Paulo. Além dos estudos, ele estava pesquisando suas raízes familiares. Judeus novos expulsos de Portugal na época da colônia. Depois de algum tempo passaram a se encontrar e ficaram cada vez mais atraídos um pelo outro. Assunto não faltava, é claro. Mas foi durante uma visita ao Terreiro de Mamãe Menininha que eles ficaram sabendo que foram feitos mesmo um para o outro. “Num tem engano não, fia e fio, está tudo aqui nos búzios. Sunsês são dois protegidos de Oxum e Ogum, água doce e mata, vão ficá junto prá sempre...”
Naquela noite quente de verão os atabaques soaram fortes, sem parar, por toda Salvador. Pareciam homenagear o amor de Júlia e Josué, que embriagados, despojados ,enlaçados, corpos e corações, fizeram amor pela primeira vez,como dois adolescentes, numa entrega vibrante,com total carinho e tesão. Ao amanhecer caíram no mar e nadaram sobre a proteção de Iemanjá. Estavam nus, saciados, bronzeados, limpos,amando e amados por todos os deuses. No sol, no sal, na areia, na beira daquele imenso mar da Bahia.
Casaram-se dois anos depois na Igreja de Nossa Senhora Conceição da Praia. Tiveram seis filhos: três meninos e três meninas: Jorge, Gabriel e Lucas; Flor, Maria Gabriela e Soledad.
Foram muitas as idas e vindas entre Salvador ,o Vale do Paraíba e Viña Del Mar, durante quase 50 anos. Estava no Brasil quando começou a ditadura Pinochet. Ficou vários anos sem rever seus pais no Chile. Ficou com o coração partido de saudades. Josué deu toda força possível, sempre ao seu lado naqueles terríveis momentos da história do país. O Brasil também passava por transformações e logo veio a redemocratização política.
Agora com a calma que os anos trazem, Júlia estava ali relembrando. E transpondo mais uma vez aquela Cordilheira com a alma, com suas memórias, pensava em tudo o que fora a sua vida e num novo livro, quem sabe...
Vejam ou revejam Sônia Braga e José Wilker na cena inicial do filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto. É considerado um dos maiores sucessos do cinema brasileiro até hoje. É de uma beleza inesquecível. Prá depois ver Paulo José e Mariana Ximenes, no recente “A Morte e a Morte de Quincas Berro D`água”, também da obra de Jorge Amado. Excelente.
Viúva agora, os filhos estavam todos encaminhados morando em várias partes do mundo, profissionalmente realizados. O bom para Júlia, agora aos 70 anos é que eles a deixavam em paz. Quizessem se comunicar estavam ali o celular, a Internet. O carinho, o amor maternal e filial entre eles estavam intatos. Assim como os dias, cada um vivia seu destino cotidiano. Seja em Santiago, em Lisboa, Nova Iorque, na Bahia ou até em Xangai.
A primeira vez que transpôs aquelas alturas foi quase aos 20 anos. Decidiu estudar Sociologia na USP, em São Paulo. A capital paulista fervilhava. Muita gente queria viver aqui ou no Rio, onde a efervescência política e cultural acontecia, transformando corações e mentes. Mas, sabe –se lá por que razão ou motivo acabou indo morar na Bahia, em Salvador, no bairro do Rio Vermelho, bem próximo da casa do escritor Jorge Amado, famoso por seus romances e pela fama de receber intelectuais do mundo todo.
Conheceu, entre outros, Pierre Verger,o francês, assim, assim, de passar, passando pelo Terreiro de Jesus a caminho do Pelourinho, com vários livros de sociologia debaixo do braço e na sacola hippie colorida que tinha ganho do artista plástico Carybé, argentino-baiano. Nem é preciso dizer que Júlia fotografou com ele vários locais na Bahia de Todos os Santos. Sentia-se uma baiana verdadeiramente. Uma guardou com muito carinho: com a mãe Menininha de Gantois, que já morreu faz tempo. Ganhou fama de boa fotógrafa com ele. Em vários livros de Sociologia e Antropologia que escreveu, aparecem ele, mãe Menininha e vários músicos conhecidos até hoje: Gal, Caetano, Gil...
Júlia caiu de amores pela Bahia, viajou muito pelo nordeste, litoral e interior. E foi construindo sua identidade planetária. Como estudava muito, até os 30 anos não se fixou em ninguém em especial. Namoricos sem grandes consequências. Amava Sociologia e Antropologia. Foi uma vida de estudos, mestrado e doutorado. Até altas horas lia, pesquisava, trancada no seu quarto, no alto de um casarão antigo. Muitas vezes via o sol nascer no Recôncavo, com os saveiros indo e vindo dos Engenhos. Mesmo em suas viagens pelos EUA, Europa e Oriente, nunca tinha encontrado ninguém muito especial. Foi só por pouco tempo que ficou com Mateus,num quibutz, em Israel, encantada mais pela sua lucidez política e inteligência.
Foi comendo um apimentado acarajé no Mercado Modelo que Júlia esbarrou em Josué, estudante do último ano de Direito, cuja família morava no Vale do Paraíba, em São Paulo. Além dos estudos, ele estava pesquisando suas raízes familiares. Judeus novos expulsos de Portugal na época da colônia. Depois de algum tempo passaram a se encontrar e ficaram cada vez mais atraídos um pelo outro. Assunto não faltava, é claro. Mas foi durante uma visita ao Terreiro de Mamãe Menininha que eles ficaram sabendo que foram feitos mesmo um para o outro. “Num tem engano não, fia e fio, está tudo aqui nos búzios. Sunsês são dois protegidos de Oxum e Ogum, água doce e mata, vão ficá junto prá sempre...”
Naquela noite quente de verão os atabaques soaram fortes, sem parar, por toda Salvador. Pareciam homenagear o amor de Júlia e Josué, que embriagados, despojados ,enlaçados, corpos e corações, fizeram amor pela primeira vez,como dois adolescentes, numa entrega vibrante,com total carinho e tesão. Ao amanhecer caíram no mar e nadaram sobre a proteção de Iemanjá. Estavam nus, saciados, bronzeados, limpos,amando e amados por todos os deuses. No sol, no sal, na areia, na beira daquele imenso mar da Bahia.
Casaram-se dois anos depois na Igreja de Nossa Senhora Conceição da Praia. Tiveram seis filhos: três meninos e três meninas: Jorge, Gabriel e Lucas; Flor, Maria Gabriela e Soledad.
Foram muitas as idas e vindas entre Salvador ,o Vale do Paraíba e Viña Del Mar, durante quase 50 anos. Estava no Brasil quando começou a ditadura Pinochet. Ficou vários anos sem rever seus pais no Chile. Ficou com o coração partido de saudades. Josué deu toda força possível, sempre ao seu lado naqueles terríveis momentos da história do país. O Brasil também passava por transformações e logo veio a redemocratização política.
Agora com a calma que os anos trazem, Júlia estava ali relembrando. E transpondo mais uma vez aquela Cordilheira com a alma, com suas memórias, pensava em tudo o que fora a sua vida e num novo livro, quem sabe...
Vejam ou revejam Sônia Braga e José Wilker na cena inicial do filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto. É considerado um dos maiores sucessos do cinema brasileiro até hoje. É de uma beleza inesquecível. Prá depois ver Paulo José e Mariana Ximenes, no recente “A Morte e a Morte de Quincas Berro D`água”, também da obra de Jorge Amado. Excelente.
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