quarta-feira, 24 de outubro de 2012

CARTAS REVELADORAS


Nestes tempos de Internet ( E –Mail, Facebook, Twitter,etc.) as correspondências postais via Correios vão perdendo muito seu significado afetivo como referências pessoais ou familiares. Hoje fala –se muito nas redes sociais. É este o termo usado modernamente.Contar histórias, narrando acontecimentos, vivenciando dramas ou momentos alegres e amorosos, vai ficando cada vez mais distante como hábito social comum. A carta ficou até consagrada numa música popular brasileira, cantada por Isaurinha Garcia, uma das Rainhas do Rádio e que hoje só os mais velhos se lembram: “Quando o carteiro chegou e prá mim acenou com uma carta na mão...”

Mas ainda há pessoas que se comunicam por cartas e algumas, raras, por certo, gostam de guardá-las para relembrar várias épocas e mostrar aos mais jovens o valor que tinham, a partir da própria escrita, aquele momento voltado inteiramente para a afeição e o carinho com que iam narrando acontecimentos importantes ou banais, tristes ou hilários, assuntos conflituosos ou de pura felicidade. Até os cartões postais parecem estar ficando fora de moda. As pessoas se comunicam pouco em plena Era da Comunicação.

Conheço uma senhora que tem um refinado gosto em reunir parentes e amigos para mostrar e ler cartas recebidas durante mais de 60 anos. Além de relíquia familiar é uma aula de micro história, revelando como age o destino, transformando as pessoas. Mostra, para todos aqueles que têm paciência e educação, a essência da vida.

Ela mesma enviava muitas cartas para parentes, amigos e amigas. As mais saborosas são aquelas que falam de festas cívicas ou aniversários e casamentos, pois revelam os costumes sociais e suas mudanças. De desastres, doenças ou falecimentos são as mais tristes, como a maioria das notícias, obviamente.

Uma das cartas lidas por ela, completamente lúcida, apesar de seus 89 anos, narra a viagem de núpcias de um casal de amigos de Curitiba, pela bela Itália, pela França e pelos Alpes antes de conflitos como se vê muito hoje pela TV. Foram de navio até Portugal e, de lá, percorreram, de trem, vários países. Emoção forte foi ver a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, o Champs Elisées, o rio Sena e, em Roma, o Coliseu, da época dos Imperadores, O Trastevere e a Via Veneto, com seus eternos paparazis.

Fascinante mesmo foi o conteúdo de uma carta em que uma prima dela, uma das primeiras aeromoças da antiga Varig, contava como conheceu o seu falecido marido durante uma turbulência numa viagem entre o Rio e Nova Iorque. Ele nervoso, ela tentando se controlar e, no final, dias depois, um nos braços do outro passeando calmamente pela 5ª. Avenida, quando foi surpreendida por um precoce pedido de casamento que mudou inteiramente sua vida.

Um romance a jato, onde Cupido agiu mais rapidinho ainda, não é?! Durante muitos anos moraram em Vermont onde ele era empresário e, depois, já na meia idade, fixaram-se em Gramado, no Rio Grande do Sul.

Triste, por sua vez, a carta em que uma amiga narrava a doença da mãe, com internações sucessivas, até o desenlace fatal, que trouxe muita tristeza para a família. Outra, fala da decisão de um primo em se tornar frei e se dedicar às famílias carentes nas margens do rio Amazonas e toda a sua luta para manter a vocação e sua fé.

Carta (e foto) dedicada a ela do ator Mário Lago que conheceu em Salvador, na Bahia, durante uma turnê teatral. Carta de um amigo falando das belezas de São Luís do Maranhão e do por do sol no rio Guaíba, numa viagem a Porto Alegre e de lá, a Buenos Aires, onde dançou tango e tomou um porre daqueles.

De uma tia recebeu cartão Postal de Ouro Preto, falando da arte barroca. De outra, uma lembrança de Aparecida, a Capital da Fé. De uma sobrinha, uma carta de recém – casada contando sobre o dia a dia em seu Lar Doce Lar, longe da presença da “mamã”. E assim, várias cartas prosseguem: livros e filmes inesquecíveis, jantares e carnavais em Poços de Caldas, passeios a pé ou a cavalo pela Chapada Diamantina, banhos de mar, em Guarujá, a repentina morte da cantora Elis Regina e shows memoráveis como o de Elizete Cardoso, de Edith Piaf,Dalva de Oliveira, Roberto Carlos, Ronie Von, etc.

Comentários sobre a novela Beto Rockefeler, de Bráulio Pedroso, na antiga TV Tupi, ainda em preto e branco,com a atriz Maria Della Costa,revolucionando o gênero. O autor morreu anos depois, de artrite generalizada. E muitas outras cartas e comentários sobre vários assuntos de épocas passadas, como a inauguração do MASP, o incêndio do Joelma, em São Paulo.

Uma das cartas, para finalizar, narra a visita, dois dias antes do atentado terrorista ao World Trade Center, prédio em NY, em 2001, pela neta, enfermeira, filha de uma sua amiga de Brasília. Separada,ela estava só, com o filho de 8 anos.A Síndrome de Pânico levou dois anos mais ou menos para acabar,mesmo assim com a ajuda de um terapeuta.

Depois de um sessão de leitura destas cartas, sempre com audiência renovada, ela se recolhe em seu quarto, dá um longo suspiro de saudade e sonha com tempos menos turbulentos, como os de hoje. Tempos idos e bem vividos revelados por cartas enviadas e recebidas pelos Correios.
Por tudo isso, é sempre bom, ver um carteiro (ou carteira) se aproximar de nossa casa e deixar uma carta remetida por alguém da família ou amigo querido. Verdade!

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