quarta-feira, 26 de junho de 2013

AVENTURAS DE BATE VOLTA,UM CÃO FILÓSOFO


Naquela manhã, meio chuvosa,ao acordar, num canto da praia de São Francisco, em São Sebastião, Bate Volta se deparou com a costumeira vasilha de comida que o Frei Lázaro tinha lhe deixado, bem perto de sua boca. “Ah, como é bondoso esse frei, nunca deixa os cães que batem à sua porta, ficar com fome!”Pela portinhola que dá acesso ao convento, viu que os freis já estavam rezando, compenetrados.Eles rezam por um mundo melhor, pensou, pois estava meio chateado com a vida canina, pois na tarde anterior teve que apartar uma briga feia do casal Rambo e Rumba, sem raça definida como ele, amarelo, por ciúmes de uma outra cadela que apareceu, ninguém sabe de onde, toda lampeira, no cais das balsas de Ilhabela. “Eu não devia ter me metido em briga de casal. Agora eles não vão mais falar comigo por uns tempos, mas deixa prá lá”.



Estava com a barriga roncando de fome pois quase raspou a comida na pequena tijela. Bebeu um pouco de água, esticou o corpo como alongamento para se animar e livrar a mente das trevas da noite, pois tinha tido um sonho estranho durante a madrugada, como se alguém o tivesse chutado violentamente, mas não se lembrava muito da cena. E assim saiu para o dia meio cinzento e ficar indo e vindo nas balsas entre São Sebastião e Ilhabela. Início de inverno, junho de 1959, mas não estava muito frio ainda.”Vamos ver o que vai acontecer na minha vida hoje?”pensou, latindo meio alto para que todos os outros cachorros de rua percebessem ali a sua presença, demarcando território.

Ao chegar ao cais percebeu que um velho cargueiro panamenho tinha ancorado de madrugada, com a proa voltada para norte, descarregando carne dos frigoríficos do Rio Grande. O cheiro da carne aguçou o seu faro e, num descuido do marinheiro, penetrou no navio por uma escada baixa.Tinha a intenção de sair logo sem ser notado,assim que abocanhasse algum osso ou pedaço de carne. Mas não percebeu que já estava desatracando e deixando o canal para seguir viagem. Só escutou alguns apitos do vapor. No convés da proa só viu ao longe a cidade e a Serra do Mar, meio encoberta por nuvens brancas. “E agora meu Deus, vão me jogar do mar, que é que eu faço!” Pensou nos amigos, mas agora já era tarde, o melhor que tinha que fazer era se esconder em algum lugar do porão, para evitar o pior, pois, de repente, tinha virado um cão clandestino. Só deu tempo de ver uma revoada de albatrozes e quero – queros grasnando furiosamente, como se tivessem dando gargalhadas de sua imprudência.



Depois de percorrer longos corredores, só ouvindo o roncar das máquinas, escolheu um cantinho quentinho atrás de uma das caldeiras. Adormeceu rápido como se quisesse esquecer a besteira que fizera ao entrar escondido no navio. Só depois de quase um mês é que o marinheiro Deusdará, um pernambucano calejado em viagens marítimas percebeu a presença de Bate Volta, meio arredio, assustado com medo de ser jogado no mar. Começou a fazer mesuras, latindo baixo e se rastejando, demonstrando humildade até se aproximar das pernas do marinheiro, que, ao contrário do que pensava, começou a alisar seu pelo, carinhosamente. “Vem cá meu bichinho, vem aplacar também a minha solidão no mar!”. E assim o cão percebeu que tinha conquistado um amigo e esse não lhe faria mal nenhum. “Você está um pouco magro, vem cá, vou lhe dar comida!”. Até então o cachorro só tinha comido, às escondidas, sobras da cozinha do navio e bebido água de chuva empoçada no convés. Rapidamente voltava a se esconder.Agora estava seguro e virou uma espécie de mascote podendo ir e vir a hora que quisesse pelo longo convés e outras partes do navio. Só evitava as bocas das fornalhas ardendo em fortes labaredas, em roncos assustadores. “Parece o inferno!”, pensava Bate Volta, saindo de fininho com o rabo entre as pernas.



Ganhou a amizade da marujada e quando o barco cruzou a Linha do Equador, como é de costume no mar, Bate Volta foi até homenageado, ganhando várias carícias na cabeça e farta comida, principalmente muito peixe frito ou cozido de Tanisho,o cozinheiro chefe, chinês de Hong Kong, há muitos anos no mar, assim como os comandantes, verdadeiros lobos dos Sete Mares. “Foi Netuno que mandou você para nos alegrar, Bate Volta”, disse, afirmando perante todos que ali estava um cão muito especial, amigo, companheiro fiel. Um dos marinheiros, depois de um certo tempo, descobriu seu nome. “É o cachorro do cais de São Sebastião, só pode ser ele! Muitas vezes eu vi ele por ali. Todos gostavam dele, até as meninas do Cabaré da Zilda, em Ilhabela, que tinham por ele verdadeira afeição. Latia, avançava e mordia a perna de algum marinheiro que, bêbado,quisesse bater numa delas”.



E assim Bate Volta deu a volta ao mundo. Em Cuba assistiu o desfile da Revolução feita pelos comunistas Fidel Castro e Che Quevara. Não entendia nada daquela movimentação toda, mas percebeu a alegria dos marinheiros embriagados da liberdade que proporcionava aquela mistura de Rum de Havana com Coca Cola americana, limão e gelo. Ficou um pouco bêbado também quando um marinheiro colocou um pouco numa tigela, para ver se ele gostava. Descuidou a pon to de cair no mar. “Cachorro ao mar, cachorro ao mar!”,gritou Zé Carioca, pulando na água e resgatando Bate Volta. Deitados no cais, secando ao sol, parecia que homem e cão riam à toa, etílicos que estavam, uma farra sem outras conseqüências, enquanto num bar do cais rolava um rififi daqueles, envolvendo mulheres da vida e militantes pró e contra a ditadura socialista que estava começando naquela ilha do Caribe. “Bate Volta, deu um longo suspiro depois de muito tempo. “Como estarão Rambo e Rumba?” Bateu a Saudade.



Em Nova Iorque, numa folga do navio, percorreu o Harlem e ouviu muita música Negra. Foi parar em Times Square. Pela enorme alegria e dança coletiva das pessoas que se abraçavam e se beijavam, Bate Volta, pensou “Só pode ser final de ano. “Happy New Year”, diziam as pessoas, ao som de Jazz. Passeou pela 7ª.Avenida e percorreu a Broadway, admirando enormes letreiros daqueles musicais famosos como “Hawai”, com a estrela Mary Martin e “West Side Story”, com Rita Moreno. Assistiu a um Tributo a Josephine Backer, a dançarina, cantora e atriz norte americana, a “Venus Negra”, que abalou a França nos anos 20 e 30. Sempre em companhia dos marinheiros, voltou para o navio. Ainda deu a volta e chegou a São Francisco, no Oceano Pacífico, passando por baixo da ponte Golden Gate. “Grande, muito grande”.No cais onde o vapor ficou atracado por alguns dias, ficou amigo de Elvis Presley e Natalie Wood, estrelas de Hollywod, num set de filmagem de “Férias do Amor”. Todos queriam ficar com aquele cão amarelo sem eira nem beira.



Não deu tempo. O navio já estava apitando para voltar para o “Brazil”. O coração de Bate Volta se acelerou e ele quase teve um treco quando, percebeu que era isso mesmo pela voz do seu amigo Deusdará – “Oh Yes, Oh Yes my friend Bate Volta!, estamos voltando para o Brasil”. Bate volta ficou tão alegre, mas tão alegre que acabou mixando no convés, correndo, prá lá e prá cá, lambendo a mão do marinheiro que também ria de satisfação, pois já estava longe da família no Rio de Janeiro, há meses.



O navio parou antes em Recife e Salvador,onde Bate Volta passou, com Tanisho,o cozinheiro de bordo, em frente ao Teatro Castro Alves, onde um teatro de revista homenageava Carmem Miranda. “Estou perto, estou chegando...”, latia o cão tão animado que uma baiana, vendendo acarajé e vatapá na porta do teatro, comentou – “Nossa, será que este cão está fazendo propaganda da peça, pois parece estar rodopiando e cantando ‘Tico-Tico no Fubá’” na calçada.



Uma semana depois,com sua carga de sonho e fantasia,o navio adentrou o canal de Ilhabela e ancorou no porto de São Sebastião. Com o coração na boca, latindo, latindo, de pé no convés, não podendo mais agüentar, Bate Volta voltava prá casa. Viu no cais, como num filme musical, Rambo e Rumba e a cachorrada toda de Ilhabela e São Sebastião dançando e latindo animadamente, esperando por ele. Muitas pessoas, homens, mulheres,os franciscanos e, naturalmente, muitas crianças, gritavam “Viva Bate Volta, Viva, vem prá rua, vem,vem prá rua!”. Como num passe de mágica, todos tinham sido convocados para assistir a chegada de Bate Volta. Estranha rede social esta feita com muito amor, ternura e sensibilidade, numa época em que a Internet ainda estava engatinhando. Faro, puro faro, sentidos que extrapolam qualquer noção de conhecimento, sem sombra de dúvida.



E naquela barbearia, próximo do centro histórico de São Sebastião, assim continua escrita esta mensagem única –



“Desta vida, deste mundo,nada se leva. Só se deixa. Então deixe o seu melhor sorriso, seu maior abraço, sua MELHOR HISTÓRIA, toda COMPREENSÃO e do AMOR a MAIOR PORÇÃO”.



Alguns anos depois, no final de sua vida, que chega para todos nós, seres viventes, Bate Volta partiu, chorado por muita gente. Ele que era amado, adorado, estimado por muita gente nesta terra, foi enterrado nas areias cálidas da Praia Deserta, com honras de herói dos Sete Mares. Na última hora, alguém,discretamente colocou em sua cabecinha amarela, como derradeira homenagem, um boné de Marinheiro. Vai com Deus, “Véio”. Conosco ficará apenas, como inesquecível lembrança, seu pequenino, mas grande coração.



quinta-feira, 11 de abril de 2013

UM CACHORRO CHAMADO BATE VOLTA



A mão forte do atracador portuário me ajudou a subir na balsa, porque o mar, naquela tarde nublada de verão, com forte ventania, prometendo chuva, estava mais agitado do que o normal. Muitos turistas e moradores vindos de Ilhabela ocuparam os acentos disponíveis nas laterais, enquanto bicicletas, motos, carros, bugs e pick ups, entravam e se posicionavam no centro para descerem rapidamente no cais de São Sebastião. Percebi o cuidado profissional que ele tinha com as pessoas, principalmente crianças e idosos, alertando sobre o mau tempo e o balanço das ondas.
Foi aí que pude ver um cachorro, o mesmo da ida para Ilhabela. Percebendo minha curiosidade o atracador disse “Ah! Esse aí é o Bate Volta, vai e vem com as balsas o dia todo e já estamos acostumados” Com um olhar distante parecia admirar, como os turistas, o mar, os luxuosos iates e lanchas, os grandes petroleiros ancorados e a maior e mais bela ilha do Atlântico Sul se distanciando aos poucos.
Bate Volta, nome original para um cachorro comum, de um amarelo desbotado, acostumado a receber afagos de todos e   abanar o rabo com satisfação. Não estava sujo com os cachorros de rua, abandonados. Engolia rapidamente pedaços de pão e biscoitos jogados pelas pessoas. Acho que assim ficava se alimentando o dia todo. Navegante solitário,poderia ter sido um pirata do Caribe ou bucaneiro dos Sete Mares em vidas passadas?! E Agora estava ali, já há alguns anos, cumprindo parte de seu destino nesta vida.
Solidária, um pouco temerosa com a travessia, uma jovem professora sentou-se ao meu lado e acariciou o cão que se acomodou aos nossos pés. “Tenho em casa, praia do Engenho D’Água, dois cães de raça Labrador e dois Vira Latas que convivem numa boa. Eu e meu Mario Cláudio nos acostumamos a criar cachorros e agora a nossa vida é assim. Levamos eles uma vez por semana a brincar na praia e se divertem nadando. È uma alegria vê-los assim. As pessoas não deviam maltratar e nem abandonar seus animais, pois  eles têm enorme admiração pelos seus donos e sofrem com isso, se pudessem sentir seu coraçãozinho.”
Com Bate Volta, que vai ficar sempre na minha memória, também deve ser assim. Ficou amigo dos atracadores do DERSA e dos turistas e moradores das duas cidades. Nunca vai estar só, creio, pois é um cão de bom coração e de bem com a vida.O refúgio de Bate Volta, conforme explicou o atracador é no Condominio dos Franciscanos, na Praia Deserta.
Ele sabe se defender e deve ter espalhado muitos filhotes por aí. Desejo que tenham sido acolhidos por pessoas de boa  índole, como a jovem professora e seu marido que escolheram Ilhabela como refúgio. Bate Volta decidiu ficar perambulando nas balsas. Um cão filósofo, diferente, como mostram alguns filmes que deixam as pessoas comovidas, até as lágrimas, saindo dos cinemas.
Tenho uma amiga, Cecília, que cria 16 cachorros e cachorras num amplo quintal. Uma outra, que mora sozinha, não se importa de ter que limpar todo dia coco e xixi de seus 4 cães. Quando ela chega em casa, depois do trabalho, é sempre uma festa. A casa parece estar sempre iluminada, bem guardada e em paz.
 
  

Fiquei olhando a outra balsa se distanciar levando Bate Volta em sua viagem cotidiana.  No seu vai e vem o dia todo. Algumas vezes fica nadando com os meninos pobres que se jogam das pedras na água, como único divertimento. Fiquei pensando também que as pessoas deveriam ser como aquele atracador que, com sua força, agilidade e habilidade, desembarca os passageiros deixando-os seguir seus caminhos sãos e salvos. As estradas desta vida, muitas vezes, têm trechos ingratos.
Se pudesse entender, o que Bate Volta teria a dizer ao ver a enorme faixa de protesto “Porto Não”, colocado por ambientalistas contrários à ampliação do porto de São Sebastião, num paredão da ilha, para que todos possam ver.
E o que ele estaria sentindo, esta semana, com o devastador estrago causado nas praias do Litoral Norte por um vazamento de óleo motivado pelo defeito na válvula de um navio atracado no porto de São Sebastião?Vários cães, seus amigos, que moram em baixo do cais ficaram todos sujos de óleo, coitados, um horror, pois entraram na água desprevenidos.
O óleo prejudicou também o ganha pão dos pobres pescadores que vão quase ao alto mar para trazer os melhores peixes à nossa mesa.  Há mais de dez anos não acontecia um desastre ecológico desse porte.
Com certeza Bate Volta regressou cabisbaixo ao seu refúgio na portaria do Condomínio dos Franciscanos, onde depois de uma tigela de sopa quentinha, dada pelo Frei Lázaro, dorme, mas vigia o sono dos religiosos ali instalados. Com todo o seu afeto de cão. Um cão chamado Bate Volta. Uma gratificante lição de ternura. Uma a mais, dando força à nossa jornada neste mundo.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A OUTRA FLEUR DO CARIBE






Base Aérea de Natal – Rio Grande do Norte – 7 de setembro de 1943



“O que esta carioca metida à besta está fazendo aqui se nem mulher de oficial ela é!” Anabela realmente não tinha sido mulher de oficial da Aeronáutica, mas fazia jus ao nome. Era linda de doer. O que causava muita inveja e ciúme nas imponentes mulheres bem ou mal casadas com militares das mais altas patentes, em cima do palanque com seus vestidos brancos ou coloridos, luvas e orquídeas no decote. Tudo bem tropical.

Era viúva de um reles, mas esforçado 1º.sargento, mulato sarará atlético e de grandes olhos verde – mar, que tinha, infelizmente, morrido numa epidemia de tifo em Recife ao beber, desprevenido, água contaminada de uma cacimba, ao lado de uma pista de pouso do recém inaugurado Aeroporto de Guararapes.

O fato é que Ana ficou viúva aos 26 anos e com um único filho de cinco anos para criar. E lá estava ela, elegantérrima, ao lado do palanque oficial jogando os cabelos louros ao vento, com óculos escuros Ray- Ban, por causa do sol, nesta terra de Deus e o Diabo, rodeada de militares, que, querendo chamar sua atenção, agradavam e pegavam o garoto no colo, com sua roupa de marinheiro.

Ela sabia, entretanto, da infidelidade do falecido. Por ser também belo, musculoso e atencioso com as mulheres, vivia de namoricos com várias mulheres de oficiais, traçando mesmo algumas delas, na ausência dos maridos, em missões aéreas na costa do Atlântico Sul, com a Marinha de Guerra, perseguindo submarinos (alemães?) que bombardeavam navios brasileiros até o Rio de Janeiro.

Ana gozava de grande popularidade entre os soldados e os oficiais, não só por ser viúva jovem e bonita, mas porque era sagaz, moderna, inteligente e estava sempre de bom humor, apesar da “guerra particular que enfrentava com algumas cunhadas que viviam aporrinhando sua cabeça, jogando na cara dela “esta branca que roubou e matou nosso irmão, um dia ela me paga”, frisava Bil, uma solteirona horrorosa, mal humorada e mal amada.

“Vamos lá rapaziada, estamos em guerra, mas não podemos desanimar”, era o seu bordão. Chegava e iluminava a base aérea com seu enorme sorriso, de alvíssimos dentes. “Ana está por aí!”, corria a notícia. Já dirigia carro numa época em que isto ainda era incomum entre as mulheres. Rivalizava com alguns soldados na direção dos jipes, subindo e descendo as dunas de Ponta Negra.

E não recusava, boa de copo que era (sem perder a noção, sabendo distinguir muito bem o que era um ameno bate papo, uma cantada ou um assédio mais ousado e apaixonado), uma latinha de cerveja americana Buddweiser bem gelada, (é... já tinha naquela época!), um Caju Amigo (Suco de Caju, Vodka, açúcar e gelo à vontade) ou uma Cuba Libre ( Gim, Coca Cola, limão e gelo picado), que naquele calor dos Trópicos, era um drinque (drink) hiper, super, mega, plus, delicioso e refrescante, animando a folga dos militares, no bar da Base, onde, nas folgas, discutiam de tudo: mulheres, filmes de Hollywood,música nova a política de Getúlio Vargas ou a beleza das praias, entre elas a de Cabo Branco, em João Pessoa, na Paraíba.

Ou então dançavam, meio desengonçados, qualquer ritmo quente: samba, salsa, frevo, rumba suingue, merenque, bolero, tango, qualquer um deles sem pecado abaixo do Equador.Estavam livres, por algumas horas.

Livre, liberada, era como Ana se sentia. Mas dizia que não estava mais afim de homem nenhum. Por isso dirigir e voar eram um de seus prazeres prediletos. E, é claro, cuidar e muito bem do filhinho. Ninguém podia comentar nada. Mantinha a posição de “senhora”. Consciente dos preconceitos e do machismo exacerbado, nunca, pelo que se saiba, tinha traído o falecido.Ele,contudo, porém, todavia...

Só Noronha, um jovem cunhado, era caído de amores pela cunhada. Só caído, nada mais, apesar de sua ousadia de adolescente nordestino. Diziam que ele vivia se satisfazendo com as cabras pois era priápico e as mulheres só não conseguiam satisfazer seu apetite sexual. “Você é muito guloso, sai prá lá, seu cabra da peste!”, brincava Ana, já familiarizada com o linguajar local, desfazendo, com todo respeito, qualquer arremedo de assédio sexual.



Os que estavam a fim de um porre mesmo bebiam logo Gin pura ou com Água Tônica ou Guaraná Jesus com doses de Steinhager ou ainda, de preferência, água de coco, que nunca faltava, com doses de uísque, um luxo a mais, mesmo em época de guerra ou por isso mesmo, porque militar quando bebe parte logo prá besteira, isto é antológico, porque a faina diária e a obediência cega aos comandantes chega a levar muitos ao estresse e a deprê. Prá aliviar só mesmo enchendo a cara. A ressaca?! Sal de Frutas ou chá de Boldo ou também uma injeção de Glucoenergan, que ainda não era proibido. E pronto.

A fama de Ana, chegou mesmo até Getúlio Vargas e o presidente americano Roosevelt, naquele 7 de Setembro, durante sua visita a Natal. Quando a comitiva passou de jipe,

Ana, brincando, apontou o veículo – “Olá seu Gegê já andei muito neste jipe.” O presidente brasileiro sorriu, segurando o tradicional charuto. Ao acenar para ela, Roosevelt, mulherengo que era, perguntou, em inglês, quem era aquela pequena.Um oficial cochichou ao ouvido de Getúlio – “É Ana, uma viúva de militar, uma espécie de mascote ou ícone de boa sorte da Base de Natal.”



Depois do cerimonial, no final daquela bela tarde de verão quentíssimo, lá estavam todos no bar da base. E Getúlio, como todo bom gaúcho, num certo momento, quase saiu no tapa com Roosevelt, os dois disputando estar ao lado de Ana. Eflúvios etílicos, digamos assim, sem maiores conseqüências. Coisas de homem querendo encantar as mulheres.

Ficou na história local, a enorme bebedeira e farra que atravessou a madrugada e só terminou no dia seguinte, quando o sol brindou a todos com uma inesquecível aurora meridiana, repleta de cores. Difícil pensar, naquele setembro de 1943, que o mundo estava em guerra. Pelo menos naquela linda parte do Brasil.



A vida de Ana muda agora completamente. Em janeiro de 1944, vindo da casa da famosa modista Odete conhecida na baixa e na alta sociedade local, onde fora apanhar um vestido novo, estava passeando entre as pontes de Recife, tomando um sorvete de cajá, distraída, bateu de frente com um jovem. Depois das desculpas, rapidamente aceitas, vieram as apresentações. Ana, Brennand, Brennand,Ana.



E rolou um papo. Ficou sabendo que o jovem era artista plástico e herdeiro de uma das mais tradicionais famílias do Recife Velho. Puro encantamento, lá ia o jovem, todos os dias e noites atrás de Ana em Olinda, onde ainda vivia na casa de parentes de seu marido Engataram um namoro. E muitos almoços e jantares no Restaurante Buraco de Otilia, um dos melhores do Nordeste.

O casal mudou-se para a Europa, onde viveram felizes durante três anos. O filho de Ana foi levado de volta ao Rio, passando a morar com seus avós maternos, com todo carinho e conforto. A guerra recém terminada deixou cicatrizes espalhadas por várias cidades. Mas Paris sobreviveu a esta catástrofe mundial. E não perdeu seu encanto.

O que perdeu o encanto foi o encontro do casal. Brenno, depois de algumas exposições de suas esculturas, voltou para Recife, um pouco desiludido com sua vida e arte. Na Cidade Eterna – Roma _ Ana ficou morando, já como famosa modelo da Maison Dior, na França. Uma bela modelo latina, admirada por todos na alta costura. Em 1952, ao desfilar no Copacabana Palace, teve oportunidade de rever o filho, agora com 12 anos.

E já vinha acompanhada pelo Conde Klaus,da Baviera, bilionário no ramo de Cristais. Viveram muitos anos, felizes, os três, numa mansão - recanto paradisíaco da natureza, na Mata Atlântica- entre Ubatuba e Paraty, comprado do falecido estilista Clodvis Calado, cuja irmã Dalas, também modelo conhecida nos anos 70/80, mora no Japão até hoje. Ana dedicou- se a órfãos de militares pobres e deficientes acolhendo sua mães, a quem ela chamava carinhosamente de “minhas comadres.” Vó Ana, como ficou conhecida,por sua gentileza e extrema bondade, morreu, sempre estimada por todos,há quinze anos.

E morreu pobre. Ela e Klaus doaram tudo, em vida, para diversas entidades filantrópicas. Costumava dizer a todos e as famílias de caiçaras que conhecera em Trindade : “Me basta apenas este paraíso, aqui estou sempre PERTO DO MAR, PERTO DE DEUS.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Tuc.tuc.tuc...



Meus dias não são mais os mesmos. Agora me faz companhia o barulho grave e ao mesmo tempo saboroso das mangas amarelas e róseas se esparramando no chão de meu quintal. Tuc. Tuc.Tuc. Tuc. Não há barulho mais gostoso de se ouvir e, após a inevitável queda, saboreá-las em suculentos nacos. O doce sabor das mangas aguça o paladar de qualquer mortal. País rico que permite tão gostoso sabor tropical. Imaginar que povos que vivem no gelo, por exemplo, não sentem esse prazer. As mangueiras não estão presente apenas no meu quintal, mas nas ruas, terrenos baldios, estradas e praças. Somos abençoados por tamanha graça da Natureza. E ainda tem o cantarolar dos pássaros que também desfrutam comigo desse som. Tuc.Tuc.Tuc.Tuc.Tuc.Tuc.Tuc. O nosso ramerrão pode ser quebrado com uma simples obsersação de uma manga caindo no chão. Nada mais poético. Acredito! Tuc.